Correndo com lobos

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É um homem agora, garoto. Já é tempo.

Daniel encarou longamente a caixa que o tio o entregara, sem coragem de abrir. Estava lacrada com um laço vermelho de bolinhas, uma pequena e frágil coisa apoiada num degrau do altar.

— Está com medo? — Padre Owen tocou-o nos cabelos negros.

— Um pouco. Não sei o que vou encontrar.

— Se não abrir, nunca vai descobrir.

Ele respirou fundo e puxou o laço, rompeu o lacre e abriu as bordas. Um delicado tecido branco estava sob um colar com um pingente oval. Dentro dele, havia uma foto do garoto junto aos irmãos e a avó, uma pequena família feliz.

— Ela não se esqueceu de mim.

— Ela nunca o faria. — O homem santo apontou para o tecido. — Continue.

Daniel puxou o pano para encontrar um envelope pardo. Lá dentro, havia uma documentação que demorou dez minutos para ser lida.

— Então...

— Ela fez a solicitação do meu passaporte e agendamento da visita ao posto. — A voz estava presa em sua garganta. — Ela queria que eu...

— Fosse encontrar o seu namorado? Sim.

— Por que você não me contou, padre?

— Porque algumas coisas você precisa descobrir e fazer sozinho. Como comparecer ao posto na próxima semana.

Daniel sentou-se nos calcanhares.

— Vou precisar trabalhar a vida inteira. Uma passagem para Arien é quase três mil e porrada e eu não vou explorar pessoas.

Padre Owen e levantou-se, com as mãos na frente do corpo.

— Isso não quer dizer que você não pode explorar o Estado.

Ah, merda, o festival.

— Mas eu preciso ir em nome de alguma igreja.

— E você está dentro do que?

Deuses, esse homem é minha meta de ser adulto.

— Acha que...

— Acho que nunca ouvi uma voz incrível como a sua, e Bob e sua amiga Lola podem ajudar. — Ele encarou o grande Jesus. — Vá para casa agora. Está tarde e a chuva parou.

Daniel abraçou o padre com força, um tanto carente, e apertou a caixa no peito ao sair da igreja. O céu estava completamente negro sobre sua cabeça, os postes de luz fracos. O vento gelado atingiu-o, mas não era como se importasse.

Precisava de quarenta minutos andando para chegar ao condomínio dos Ferreira. No domingo à noite, Cahi era nada além de um terrível cenário de filme de terror antigo, os bares e salões fechados, as casas apagadas e as ruas vazias. Se ainda fosse medroso, o garoto esperaria por Satanás em lágrimas.

O demônio está na igreja agora, sussurrou para si.

O condomínio era o único local com luzes acesas. O porteiro sorriu e acenou. O céu deu sinal de mais chuva.

— Você está aqui ou eu fiquei louco? — Daniel parou no meio do caminho para casa. Atrás dele não havia nada. — Acho que descobri.

A chuva caiu assim que bateu a porta. Vitor e Ella estavam abraçados num sofá, o filho e a namorada bajulando Poppy noutro. Parecia... um lar.

— Dani! — Tyler foi o primeiro a nota-lo, e seus braços de jogador de basquete eram acolhedores e macios. Precisava daquilo mais do que qualquer outra coisa. — Cara, você está parecendo um cão molhado.

— Tomei chuva por seis horas seguidas.

— Nós preparamos um banho. — Lola sorriu. — Vem. Eu te ajudo.

O latino afundou na água fervente com as pernas doloridas, o cheiro de ervas subindo. A pele queimou e as paredes rodaram um pouco antes que relaxasse contra a borda.

— Você devia me deixar pintar o seu cabelo qualquer dia — disse a menina enquanto lavava seus fios. Quando tentou ajuda-la, levou uma tapa. — Eu faço isso.

— Me sinto uma criança inútil.

— Você não é um inútil, Dan — resmungou. — É meu melhor amigo e enquanto puder cuidar de você, eu vou.

Ele riu.

— Você é minha pessoa, Lô.

— Eu sei. E é exatamente por isso que vamos rever a primeira temporada hoje.

Daniel deixou que ela esfregasse o grude de suas costas e despejasse mais ervas sobre seu corpo, da mesma forma que Greer fizera da outra vez. Lola possuía delicadas mãos pequenas.

— Ela deu entrada no meu passaporte.

— Mama?

— Sim, sim. Aparentemente, também quer que eu vá para Arien. — Ele amarrou o roupão e deitou-se na cama. A menina encostou-se à cabeceira, abraçada às pernas. — Mas eu tenho um pouco de medo.

— Não me diga que é de ele não te amar ainda.

— Essa parte não me assusta mais. E, se ele não fizer, vai esconder de mim até que eu saia de seu pescoço e consiga viver sozinho. — O garoto suspirou. — Padre Owen disse que eu deveria participar do festival de inverno para conseguir o dinheiro da passagem.

— É uma boa ideia. Você substitui um coral facinho.

Virou a cabeça para ela.

— Será que esse é meu único talento? Cantar?

— É claro que não, anta mitológica. — Lola bateu-o na cabeça. — Você tem mil e uma coisas que precisa aprender a valorizar logo.

— Tenho mesmo?

— Tem, Dan. — Ela deitou ao seu lado. — Tem sim.

Daniel balançou a cabeça e virou de frente para a janela, a chuva desenhando no vidro. Adorava dias de chuva, porque Nicholas sempre o abraçava e tocava seus cabelos.

Vovó ama meus cabelos. Não posso mexer neles.

— Eu sinto você agora.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora