Farelo de pão

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Leve-me de volta para casa, vó.

Daniel levantou a cabeça para a igreja e esfregou os braços. Tyler se oferecera para acompanha-lo, insistira que não podia aparecer lá sozinho, mas o garoto tinha consciência que seria visto como uma provocação, mesmo que involuntária. Precisava fazer aquilo sem ninguém.

Ele podia ouvir o violino enquanto atravessava o grande jardim debaixo da chuva, o moletom surrado do namorado colado em seu corpo. Um trovão estourou atrás dele. Por um segundo, a tarde tornou-se brilhante.

A igreja estava lotada de fiéis, o violino ficou mais alto e forte. As bordas do tapete vermelho que levava até o altar estavam repletas de flores falsas vermelhas, todas as roupas eram pretas. Mama nunca havia gostado muito de preto, deixara de usar desde a morte do esposo.

Daniel afastou a mecha grudada em seu olho, cabeças viradas para ele, olhos venenosos sob óculos escuros, julgamentos por trás de expressões vazias. O caixão era de madeira branca, erguido sobre apoios decorados. Outro trovão explodiu, como um aviso.

Em pés sujos, o menino atravessou o tapete em silêncio, o violino violentando sua mente. Era a mesma música que tocara no enterro do avô, mas naquele dia estava ocupado ajudando a irmã a dormir e não vira nada que o fizesse chorar de verdade.

Todos devem morrer alguma hora. Alguma hora.

Na primeira fileira, seus tios estavam de mãos juntas, cinco homens chorosos encarando a morte de perto pela segunda vez. Talvez doesse mais neles. Talvez agora não existisse mais alguém.

Daniel não sabia dizer se tinha alguém. Havia padre Owen, Tyler, Lola, até mesmo Henry, mas... nada seria como sua avó. Nem se o universo tentasse.

Maria estava deitada no ombro do marido, com o filho pequeno chupando o dedo em seu colo. Melissa soluçava ao lado dela, abraçando uma almofada de tricô que mama havia feito não muito tempo antes. Também usava um vestido feito por ela, com adoráveis flores lilás e tecido branco. Era como se tudo ali voltasse para uma época em que aquela família havia sido feliz e unida.

O menino possuía coisas tricotadas pela avó, também. Um pequeno urso de crochê, alguns casacos que tinham seu cheiro, uma calça para dormir e um gorro de inverno que esquentava mais que deveria. Eram pequenos e simples pertences, mas que valiam ouro.

Gregor foi o último a virar a cabeça para ele, com frios olhos âmbar. Daniel observou-o tentar levantar-se rapidamente, uma mão fechada em punho, os lábios crispados... e cair de novo, derrotado. Talvez ele entendesse que era um último momento e que ainda era o neto favorito de mama. Ou talvez só tivesse percebido que o filho não era mais uma criança. Que agora, não se submeteria a uma surra tão facilmente.

Crescer tem alguma vantagem, afinal.

Pastor Jerome afastou o microfone da boca quando chegou perto do altar, transformando a igreja numa silenciosa sepultura. O pequeno e estúpido coral se encolheu na bancada. Ester sentou-se atrás do marido.

Outro trovão, e Daniel chegou ao caixão. As escadas foram a parte mais difícil. O violino tornou-se mais violento.

Maquiada. Pálida. Dura como pedra. Foi tudo que conseguiu pensar ao encarar a avó morta.

— Eles destruíram você com esse vestido, mama — sussurrou, mas pareceu um grito no silêncio do ambiente. Ela nunca gostara de cores pastéis e roupas sem desenhos, e ali estava, em rosa claro liso. — Por que não estou surpreso?

— Dani! — gritou Melissa, sua voz fez eco, e escapou do braço da mãe para correr até o irmão. Ele apenas pousou a mão na cabeça dela. — Eles vão leva-la para longe. Para o México.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Where stories live. Discover now