ATO 12

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Olho em seus olhos tristes para poder enxergar meu reflexo

    Após tomar o delicioso suco de laranja natural, respirei fundo, sozinha naquela sala de estar confortável

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Após tomar o delicioso suco de laranja natural, respirei fundo, sozinha naquela sala de estar confortável. O fogo da lareira já não queimava mais nada e a vitrola desligada, não importunava o silencio daquela tarde. Joice havia se retirado, desaparecendo de vista. Mesmo não entendendo nada do que acontecia, continuei parada ali, pensando nas varias possibilidades.

O fato era que Brok e Feen estavam em perigo, e eu de certa forma também poderia estar. Com as mãos sobre a boca e um olhar extremamente vazio, em direção ao papel de parede verde claro do cômodo, minha linha de raciocínio foi diminuindo. Eu sabia que algo estava errado, mas meu corpo não deixava eu sentir isso.

Continuava calma, apesar de querer abraçar todos os dilemas que cercavam-me.

Mas, porque tanta calma? Ainda mais em um lugar completamente desconhecido.

— Com licença, Pandora. Você vai criar um buraco nesse sofá deste jeito. Venha respirar um pouco — dizia Eleonor pegando meu copo vazio e o segurando firme.

— Eu... tudo bem. Vamos sim.

Levantei apressada e a segui para um pequeno corredor que levava para a cozinha. Na parede deste local também havia outro desenho de giz, do mesmo garotinho triste. Entrando na cozinha, notei logo de cara duas grandes janelas acima dos armários e balcões que davam para os jardins do casarão. O lugar grande e muito bem arrumado possuía um leve cheiro de chá. O jogo de cozinha era revestido de madeira antiga, porém bem cuidados e juntos ocupavam uma parede inteira. Em cima dos balcões repousavam alguns conjuntos de xícaras com estampas delicadas junto a um bule de porcelana.

No centro, uma mesa retangular com oito cadeiras em volta, perfeitamente alinhadas para de baixo dela. E em cima, um pano de mesa rosado com bolinhas brancas. Ao lado dos balcões de madeira havia um balcão feito por tijolinhos e em sua superfície era decorado por jarros de flores amarelas e brancas e porta retratos das crianças no jardim ao lado de Joice. A pia feita de pedra rústica sem nenhuma louça e o fogão a lenha logo ao lado que se conectava com o balcão de tijolos transformava aquela cozinha na mais antiga e bonita que já tinha visto.

— Não repare na bagunça. Pensamos que você iria acordar mais tarde, então nem passei pano em nada.

— É lindo. Muito lindo esta casa, você que limpa tudo? — perguntei olhando todos os detalhes da decoração.

— Ah, obrigada, eu gosto de limpar e organizar, apesar da Joice não gostar muito da ideia de que limpo a casa o tempo todo, mas revezo com as outras meninas de vez em quando — Eleonor abriu a torneira da pia e lavou o copo, secando-o e guardando-o em um dos balcões — Organizar as coisas me ajuda a organizar meus pensamentos.

— É uma boa terapia — respondi caminhando para a janela. A vista do jardim era bonita e cheia de vida. Uma das meninas recolhia algumas flores sentada no gramado. Era Amanda — Vocês me parecem uma família bem resolvida.

— Nós somos. Cada um respeita seu espaço. Venha comigo, vou te mostrar os jardins — quando Eleonor caminhou para a porta que levava para fora, notei uma criança nos encarando, escondida atrás do balcão de tijolos, a mesma que bisbilhotava minha conversa com Joice no andar de cima. Ao me ver, saiu correndo em direção ao corredor da sala.

Quando voltei a atenção para Eleonor, ela já estava lá fora, colhendo algumas flores também. Apenas a segui.

— Veja Pandora! Não são lindas? Wendy tinha razão, seus olhos são da cor do nosso jardim.

Pela primeira vez, meu sorriso foi sincero. Senti uma liberdade ao sair para fora dali. Eu realmente poderia ir embora, agora mesmo. Olhei em volta e arvores grandes cercavam o grande sitio. Porém, bem além no horizonte, um amontoado de prédios denunciava a cidade. Mas não era Londres.

— Leonor, que lugar estamos?

— Diz aquela cidade ali? Eu não sei o nome dela, chamamos apenas de Grand City. Joice nunca falou muito sobre lá. Só disse que é o que sustenta nosso lar.

— Sabe me dizer que país estamos?

— Eu... realmente nunca parei para perguntar isso. Joice não gosta que façamos muitas perguntas, é a única coisa que a deixa desconfortável, mas sei que vim da Irlanda. Você é da onde Pandora?

— Próximo a você. Reino Unido, Londres, e o fato de não saberem do próprio lugar onde moram é bem estranho, não acha?

— Na verdade não, eu entendo porque Joice não gosta de muitas perguntas. Ela quer que apaguemos nosso passado e vivemos mais o presente. Estou feliz aqui. Joice me acolheu quando perdi minha avó. O câncer destruiu toda a minha família. A diferença de meus parentes e de mim é que ainda estou viva. Fui colocada em um abrigo e lá conheci a Joice que me trouxe para cá. Eu não importo que lugar ou país seja este, quero passar o restinho de tempo que me falta fazendo e estando ao lado das pessoas que eu gosto — dizia ela cheirando as flores coloridas que acabara de colher.

Um vento forte batera e fazia o curto gramado se mover aleatoriamente. O laço que prendia na cabeça de Eleonor movia-se conforme o vento e seus olhos se fecharam, fazendo-a abrir um leve sorriso no rosto.

— Estou feliz, Pandora. Feliz de verdade — concluiu entregando as flores para mim.

— Você é uma menina que deve ter vários sonhos. O que mais tem vontade de fazer?

— Não costumo sonhar direito. A única parte que me incomoda é exatamente a hora que vamos dormir — neste momento, o sorriso perdeu a força e um semblante preocupado o substituiu.

— Como assim? — questionei cheirando as flores, demonstrando pouco interesse.

— Tenho medo que algum animal selvagem invada o sitio, mas parece que eles só surgem a noite. Não sei direito. Talvez um urso, já pensou que loucura? E você ainda querendo pegar a estrada a noite! — sorriu — Se não fosse por esses animais chatos, talvez eu conseguisse dormir um pouco melhor. O quarto onde vai ficar hoje é o de frente para a floresta então provavelmente vai escutar muitos deles. E sobre sonhar alguma coisa que eu queira, no momento não. Tenho tudo o que preciso.

— E se por acaso algum animal perigoso realmente invadir essa propriedade?

— Joice tem uma espingarda de sal igual aquelas de desenhos que espanta qualquer um deles. Estamos seguras, fique tranquila!

Leonor olhou para mim e acenou para dentro do sitio.

— Vamos! Te mostrarei o quarto que separei para você!

Sem furos na nuca e sem desejos de sonhar alguma coisa. Eleonor era a primeira criança que me fez pensar que aqui, talvez, bem talvez fosse um lugar que reparasse o que despedaçaram nela de uma forma real e sem sofrimento. Mas isso não muda o fato de que este lugar não me pertence e que enquanto estou aqui conversando e pensando varias coisas, Brok e Feen estão por aí, correndo um perigo que eu desconhecia.

Questionando mais do que obtendo respostas. Talvez dilemas como estes me atormentariam para todo o sempre.

 Talvez dilemas como estes me atormentariam para todo o sempre

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III - Liberdade Para IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now