Capítulo 28

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28 de julho — a festa V

O que você quer ser quando crescer?

Quem você quer ser?

Quem você é agora?

De olhos fechados, sozinho em um quarto escuro, atormentado somente por seus pensamentos, a quem você responde?

Olhando-se no espelho e vendo nada além de uma casca vazia, o que enche seu corpo, o que alimenta sua alma? Doce mel que escorre por seus poros e adoça as palavras que saem da sua garganta, ou amargo fel que azeda quaisquer boas intenções que atravessem seu coração despedaçado, escolha seu veneno. Ao fim do dia, ao fim da escada, apenas um corpo caído enfeita o ambiente.

Olhos de obsidiana partidos, sem conserto.

Quem é você? O que você vislumbra. O que almeja. O que quer ser quando crescer. Até onde quer chegar. O que está disposto a fazer para alcançar isso, que barreiras está disposto a cruzar, qual o preço que está disposto a pagar.

Quanto vale sua felicidade?

Qual o preço da sua alma?

Pactos silenciosos consumados de olhos fechados, sozinho em um quarto escuro, atormentado somente por seus pensamentos, promessas sussurradas feitas ao seu eu do futuro que expõem quem você é quando ninguém está olhando.

Se seus impulsos te dominam, predador do topo da cadeia alimentar não passa de presa fácil de seu descontrole. Fraco e covarde. Sucumbindo à podridão do mundo, alimentado a escuridão com seu caráter doentio que não encara responsabilidades. Garotinho mimado e inconsequente.

Homem.

Homem mimado e inconsequente.

Baixo.

Sujo.

Sangue manchava por suas mãos trêmulas e não havia água suficiente no mundo para limpar a culpa de sua pele branca.

— O que você fez?

O mundo começou a girar rápido demais.

— Que merda você fez, Pedro?

Gritos.

Vozes altas demais para que ele conseguisse pensar.

Uma porta sendo batida.

Mais gritos.

— Onde está Laura? — Uma voz conhecida.

Laura.

Não havia mais Laura.

Talvez agora ela aprendesse a lição.

***

Dizem que na hora da morte um filme passa por seus olhos. Momentos passados de sua vida cruzando sua mente no momento do juízo final. Lembranças desordenadas que contam uma história. Fotografias em movimento que montam uma narrativa.

O filme de Laura poderia ter começado com abraços calorosos de uma infância feliz, tombos de bicicleta, o primeiro dia de escola.

Um piquenique debaixo da grande árvore centenária da praça principal da pequena cidade onde todos sabiam seu nome, o primeiro beijo, o dia em que chegou em casa, orgulhosa, com seu boletim naquele último dia de aula, o resultado do vestibular. Suas malas sendo arrumadas. O sorriso dos pais, as felicitações dos amigos, o olhar raivoso do ex-namorado que jamais deveria ter ocupado esse posto.

A morte do irmão. O medo, a angústia, o sentimento de solidão.

A perda.

Perda da liberdade quando em seu celular começaram a aparecer mensagens inconformadas de um homem que não aceitava não como resposta. Insistente. Invasivo. Ameaçador. Uma mão segurando seu braço na biblioteca. Um beijo forçado quando encurralada em um corredor. Você vai ser minha. Toques invasivos vestidos de acidentes despretensiosos. Ninguém nunca diz não para mim. A perseguição onde quer que fosse. Para onde olhasse, ali estaria ele, como uma assombração, alma penada que tenta tomar posse de um corpo que não lhe pertencia. Tentando tomar para si direito de uso de uma propriedade. Se não, não vai ser de mais ninguém.

E não foi.

Naquela noite fria de julho, Laura não foi de mais ninguém.

A verdade é que há muito ela não pertencia sequer a si mesma.

Obsidiana FraturadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora