Capítulo 3

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22 de fevereiro

Laura deu um nó no cabelo, rendendo-se ao calor, contrariada por ter que amontoar no topo da cabeça a massa de cachos grossos que começava a grudar no pescoço por causa do suor. Ela agradeceu mentalmente por não ter se dado ao trabalho de passar maquiagem naquele dia, estaria toda derretida se o tivesse feito. Suspirou ao olhar para os pés e constatar que ficaria com a marca das tiras da sandália por entre os dedos por causa do sol. E precisava fazer as unhas.

Ela conhecia os arredores da faculdade relativamente bem, sabia que a instituição contava com um restaurante universitário em algum lugar no campus e era para lá que estava se dirigindo com as duas mais novas amigas de curso, Beatriz e Marta. Esbarraram-se logo no ônibus a caminho da faculdade, as blusas amarelas servindo de identificação instantânea na multidão. Conversaram banalidades por todo o caminho até chegarem à entrada do campus da universidade, que convenientemente tinha um ponto de ônibus bem em frente. Laura, preguiçosa como era, apreciava e muito a comodidade. Quanto menos ela precisasse andar, melhor.

O dia estava agradável no momento em que chegaram, cedo de manhã, o sol ainda não castigava sua pele, os raios brilhando por detrás das montanhas, a praia convidativa ao longe. Podia sentir o cheiro de maresia e prometeu a si mesma que daria um mergulho nas águas geladas antes de voltar para casa naquele dia. Era uma pena que não tivesse levado um biquíni, mas isso não a impediria de sentir o sal contra sua pele necessitada de um afago revigorador.

As meninas acabaram agregando mais pessoas pelo caminho e, quando finalmente chegaram ao pequeno prédio bege de dois andares com pintura impecável e uma grande placa com o nome da universidade que já contava com uma fila considerável, o grupo era formado por nove pessoas. Ela não conseguia lembrar o nome de todos, não ainda, mas sabia que viria com o tempo. Adorava esse clima de início de ano letivo, a felicidade e expectativa circulando o ar. Sentia-se superpoderosa.

Ano novo, vida nova, certo? Estava decidida a começar mesmo uma vida nova ali, longe de casa, longe de seus problemas passados que havia deixado em Minas quando se mudou para estudar no Rio após ter sido aprovada no vestibular. Precisaria trabalhar para pagar a mensalidade, ainda alta apesar da ajuda de custo, mas valia a pena. Foi a justificativa que ela precisava para sair do ambiente doentio que sua casa havia se tornado após a morte do seu irmão há quase dois anos e o suplício que sua vida havia se tornado desde o dia que conheceu seu ex-namorado. Sabia que era só o primeiro dia de aula, mas se permitiria a dose cavalar de esperança de que fora a decisão acertada e não teria nada do que se arrepender.

— Você não pode fingir que não viu ele te olhando! — Beatriz alfinetou em meio a risadas enquanto Lorena concordava com a cabeça, os olhos arregalados por trás dos óculos grandes demais para sua cabeça pequena. Laura foi arrancada de seus pensamentos pela conversa em notas agudas e queria chacoalhar as duas. O céu azul estava sem nuvens. Pássaros cantavam no que provavelmente era uma disputa extremamente rude sobre quem tinha o maior pinto, tentando convencer as fêmeas sobre a sua superioridade como parceiro reprodutivo — nada diferente da rotina exaustiva em boates, onde sexo era o objetivo final de qualquer interação social, e quase sempre vencia o espécime mais babaca. As árvores de folhas paradas pela ausência de brisa pareciam parte de um quadro que Laura ficaria feliz em pintar se tivesse qualquer talento artístico. A paisagem ao redor era tão rica em detalhes e informações, tanta coisa com o que se encantar. E elas estavam falando de macho. Era inacreditável para ela a facilidade com que uma rola dominava uma conversa.

O restante do grupo estava entretido em uma conversa sobre as matérias que cursariam naquele semestre, assunto no qual Laura estava muito mais interessada do que ouvir as duas tagarelarem, mais uma vez, sobre o tal veterano que pelo visto estava de olho nela. Era o seu primeiro dia de aula, ela realmente precisava se enrolar com alguém assim tão cedo? Seria um recorde até mesmo para ela, que não tinha nenhum pudor quando se tratava de explorar sua sexualidade.

Obsidiana FraturadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora