Protasis

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Você nunca sabe quando vai conhecer o "amor da sua vida". Não é algo que carrega um sinal em sua cabeça. Quase todos os dias conhecemos pessoas novas e não temos como prever como essas pessoas afetarão nossas vidas. Convivemos com colegas diariamente em salas de aula, escritórios, lanchonetes e nunca nem dizemos 'oi'. Às vezes nem sabemos que ele está ali.

A vida não é tão simples como vemos na ficção, o amor não é tão simples como vemos nos contos de fada. Sem querer, acabamos por conhecer alguém que não gostamos muito, mas que precisamos aprender a conviver. Conhecemos alguém que vai nos ganhando pouco a pouco. Alguns o fazem com palavras, outros com atitudes; e, ainda, outros... apenas por serem quem são.

O fato sobre o amor é o seguinte: não há como lutar contra ele; você apenas deve aceitá-lo quando ele vier.

Vocês querem um exemplo? Então deixe-me contá-los sobre esses dois pombinhos que nem sequer sabiam da existência um do outro até, certo dia, eles se depararem com a fenomenal presença que um causava aos olhos do outro. Sentimentos provocados que foram confundidos, quem sabe até reprimidos.

Deixe-me começar contando a vocês que a irrelevância era tanta que, todos os dias, ao chegar na escola, Isak e Even cruzavam o caminho um do outro no trajeto para suas classes, ao chegar, e mais tarde no trajeto a suas casas, ao partirem, e, mesmo assim, nunca repararam um no outro. Nunca se olharam. Nunca se cumprimentaram.

Poderiam ter várias coisas em comum, mas nunca saberiam disso. Isak andava no mundo da lua, com seus fones de ouvido sempre tocando músicas que ele julgava serem "tristes, mas bonitas", transportando-o para um campo de emoções tão forte que ele não gostaria de retirar o fone apenas para falar com alguém e ser projetado de volta a realidade.

Enquanto isso, Even tinha mil coisas na cabeça. Aparentemente... Pois afinal de contas, ele pensava em tudo e não pensava em nada. Preocupava-se com coisas que poderiam nem existir. Ele sempre foi assim desde... Bem, desde que algo tenebroso ocorreu em sua infância. A verdade é que ele carrega uma grande culpa, então ele fica sempre preocupado com o futuro, arrependido do passado, ausente no presente. Ele está lá em corpo, mas não em sua mente.

Então, quando você se dá conta disso, não é de se estranhar que na única vez em que eles acidentalmente se esbarraram na saída da escola, eles não repararam um no outro. Até balbuciaram um "desculpa" que malmente foi ouvido, mas com certeza não se deram o luxo de olhar um na cara do outro para dizer isso.

Parece, no entanto, que o caminho deles estava prestes a se cruzar, e se esse ponto no trajeto de ida e vinda da escola não era suficiente para que eles se dessem conta um do outro, então o destino teria que encontrar outra maneira de fazer isso acontecer.

Todos os dias quando Isak saía da escola, ele caminhava até a creche para buscar seu pequeno irmão de sete anos, Mick. Há um grande relacionamento de amizade entre os dois, e de responsabilidade também, afinal Isak se sente responsável por educar seu irmão como se fosse seu próprio pai. É assim desde que aquele trágico incidente ocorreu...

Então ele retorna com Mick a sua casa, onde lhe ajuda a fazer o dever, brincam juntos e assistem desenho até a hora de sua mãe chegar. Para um adolescente em pleno ensino médio, você pode achar que Isak odeia fazer isso, ou se sente entediado, mas a verdade é que ele adora a companhia do irmão. Ele talvez seja a única pessoa para quem retirar os fones de ouvido não seja algo ruim.

Even, em seu trajeto, segue para o trabalho do pai na academia de polícia. Não é algo que ele faça todo dia, somente em ocasiões especiais, como essa em que seu pai avisou que chegaria mais tarde e, por isso, pediu para que lhe levasse alguma coisa para comer.

Sendo assim, antes de ir para casa, Even foi a padaria comprar algumas coisas para o pai e caminhou até a academia de polícia. O bom dessa cidade é que se pode ir a qualquer lugar a pé, contanto que se tenha fôlego e paciência. Even, porém, muito mais preferiria andar na viatura do pai. Se tivesse a chance...

Ao chegar na academia, Even deu um sorriso a recepcionista, que praticamente já havia se tornado sua amiga, e eles ficaram conversando um pouco antes dele finalmente entregar a sacola de comida e voltar para casa.

"Não espere por mim acordado", disse o pai e Even deu de ombros. Isso não era novidade. Desde aquele certo dia – o dia em que tudo mudou em suas vidas –, o pai de Even passou a canalizar todas as suas frustrações para o trabalho e se tornou um workaholic. Em pouco tempo passou de agente para investigador e agora de investigador para delegado.

Sendo assim, não era surpresa para Even que esse seria mais um dia em que ficaria sozinho em uma casa fria e silenciosa tentando suprir o tédio com revistas, séries ou vídeo game – o que quer que não lhe enjoasse. Às vezes o telefone tocava e aí ele falava com sua mãe, que mora em outra cidade. Vez ou outra ela vinha lhes visitar, mas... isso tem se tornando cada vez mais raro.

Se pudéssemos criar duas cenas, lado a lado, e espiar o que Even e Isak estavam fazendo nessa noite (como no Big Brother), veríamos um contraste enorme. Even levava uma lasanha congelada ao forno, deixava a borda queimar propositalmente e comia sem empolgação alguma enquanto assistia Closer to Home.

Isak, por outro lado, estava terminando de cortar os legumes enquanto sua mãe temperava a carne. Ela o ensinou a cozinhar e ele a ajudava todas as noites enquanto Mick assistia TV, coloria desenhos ou brincava de faz conta até sentir sua barriga roncar e se queixar.

"Já tá ponto, mãe?" Mick entrou na cozinha repentinamente, adoravelmente sem conseguir pronunciar a letra R de vez em quando.

"Tá terminando de assar, meu dengo", a amável mãe se deslocou até próximo da cadeira em que Mick havia se sentado junto a mesa e lhe cheirou a nuca.

"Depois de comer, a gente pode volta na nossa outa casa?" pediu Mick pela milésima vez essa semana. Sua mãe e Isak se entreolharam, ainda sem saber o que dizer. Mick não faz ideia de como estava a outra casa, a que viviam meses atrás antes de se mudar para essa nova, menor e mais simples. Eles não sabiam como dizer que não poderiam voltar lá. Não queriam que ele visse a outra casa – ou melhor, o que sobrou dela.

"Não está pronta ainda", a mãe disse com a voz carregada de dor por trás de uma silhueta risonha para não provocar mais preocupações. Havia dito ao pequeno que a casa estava sendo dedetizada. Odiava mentir, mas esperava que ele esquecesse essa história em breve e que seu desejo se revelasse fugaz. No entanto, não era o que parecia ocorrer.

"Mas eu quero ver o papai", pediu Mick, e aí sim a silhueta risonha se quebrou. Sentindo a dureza disso, Isak veio ao resgate, logo levando uma carne pronta ao prato de Mick.

"Olha o que tá pronto!" Isak chamou a atenção do irmão e, logo em seguida, revelou algo que lhe havia preparado. "E olha o que eu fiz pra você!"

"Batata fita!" Mick se empolgou e, como toda criança que tem a atenção roubada, pareceu se esquecer do assunto. Mas a mãe não esqueceu. Não poderia.

No dia seguinte, Isak e Even cruzaram caminhos novamente. O vento que passou por ali tocou a pele de ambos e levou a fragrância de um para o outro, algo que se mostrou imperceptível para eles. Diante disso, as engrenagens invisíveis que movimentam as mãos do destino começaram a se mover. Não havia outra escolha.

E assim, Isak caminhou até o prédio de artes da escola e procurou pela sala de artes cênicas. Even, cansado de ficar em casa sem fazer nada, decidiu entrar para algum clube extracurricular de última hora. "A única classe com vaga disponível", informou-lhe o coordenador, "é o de artes cênicas."

Os olhos azuis de Even encararam o nada por quase um minuto. O coordenador estava prestes a chamar sua atenção quando o garoto decidiu não pensar demais e apenas aceitou. Vale tudo para não ficar fazendo nada em casa, ele pensou.

E esse foi o primeiro feito na cadeia de coincidências do destino.

An Act of Kindness (EVAK Short Fic)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt