08 - Do que você tem medo?

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— Henry, tente evitar a zebra da saída da curva, os pneus estão se desgastando muito rápido — a voz de Hans Diehl, meu engenheiro, sai chiada pelo rádio.

— A culpa é da merda desse carro, que não está balanceado direito! — respondo, irritado.

Estamos quase no final da temporada de testes e nada está certo nos carros da Delacaux. Quase um mês inteiro já se passou e não estamos nem perto de acertar o ponto. Reuniões e mais reuniões com a equipe de mecânicos, com a equipe de pneus, com a equipe de aerodinâmica e parece que as coisas só pioram, para mim e para Jonkovic, o piloto que corre no segundo carro da Delacaux. Se não deixarmos esse carro em condições ótimas nos próximos dias, nossa estreia na temporada será uma vergonha mundial.

O carro samba na pista mais uma vez com o mínimo movimento do volante e eu o esmurro, frustrado, soltando alguns palavrões enquanto recupero o controle na pista.

— Volte para o box, vamos ver o que está acontecendo — Hans me avisa pelo rádio com uma voz tranquila e sem emoção, frio como todo bom alemão.

Continuo a volta para completar o circuito e retornar ao box. Estou tão possesso que poderia atropelar qualquer ser humano que ousasse cruzar minha frente.

Aproximo-me do box e paro o carro ali mesmo, no meio da rua. Foda-se. Eles que coloquem o carro para dentro. Arranco o volante com força e largo-o no chão ao sair do cockpit sem me importar que ele vá espatifar-se no asfalto e perder alguns botões. Um grupo de mecânicos corre em minha direção e eu passo direto por eles como um touro que vê vermelho.

Estou tão puto que meus maxilares doem de tão contraídos. A cabeça arde. O corpo pega fogo por dentro e eu rapidamente me livro do capacete, das luvas e da parte de cima do macacão. Quem sabe a ira saia junto.

— Hans! Mas que merda! Esse carro só piora! — esbravejo para Hans na entrada do box.

— Calma, não tem pra quê se preocupar. Vamos resolver antes que a temporada comece — ele calmamente me responde.

A tranquilidade de Hans me irrita muito, mas ao mesmo tempo me tranquiliza pois sei que ele sabe o que está falando, apesar de que o cenário para a Delacaux não está parecendo muito promissor. Hans e eu nos tornamos bem próximos nesse último mês e sei que ele fala com propriedade de causa.

— Acho bom, porque não vim pra essa equipe para passar vergonha — eu digo a ele. — Não vou manchar meu nome porque vocês não sabem fazer o trabalho de vocês!

Ele me devolve apenas um sorrisinho com o canto da boca e passa por mim. Obviamente ele não me leva a sério e isso me deixa ainda mais puto. Entro no box e chuto a primeira coisa que vejo pela frente, duas pilhas de pneus que estão encostadas num canto. Os que estão no topo pendem e caem no chão, rolando garagem adentro. O box inteiro fica em silêncio e os mecânicos estão todos olhando para mim.

— Porra! — acabo colocando para fora, enquanto os pneus rolam para longe.

Apoio as mãos na bancada dos monitores e exalo um longo e sofrido suspiro. Fecho os olhos e baixo a cabeça, sentindo a frustração chegar ao meu máximo por ser impotente o suficiente para não poder fazer nada a respeito dessa merda de carro. A Delacaux sempre foi para mim a melhor equipe de Fórmula 1, eu sempre sonhei em correr nesses carros azuis com amarelo desde que tenho lembranças da vida. E agora que estou finalmente aqui, as coisas simplesmente não estão indo como eu gostaria.

Solto mais um suspiro, ainda de olhos fechados, quando tenho meus pensamentos de autoflagelação interrompidos por uma voz familiar.

— Você é um idiota, sabia?

O Grande Prêmio (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora