03 - Indigestão

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A sala de imprensa da sede da Delacaux está lotada como eu nunca vi antes. Fotógrafos estão beirando as vias de fato pela disputa de posições mais centrais à frente da mesa da coletiva. Os jornalistas, mais atrás, também se estapeiam para ver quem consegue chamar mais atenção e fazer a próxima pergunta.

Decido ficar num canto para que possa observar aquele circo todo com mais sossego. Nos bastidores, como prefiro sempre ficar. Henry está sentado no centro da mesa de entrevista, gracioso, despojado, à vontade com o microfone. Responde a todas as perguntas com muito bom humor e desenvoltura. O centro das atenções, como ele gosta de ser. Aliás, como inevitavelmente ele é. A camisa azul claro que usava hoje pela manhã foi trocada por uma camisa com as cores da Delacaux, azul marinho e amarelo, com o escudo bordado no peito esquerdo, e agora usa também um boné com as mesmas cores e símbolo. Alguns poucos fios de seus cabelos castanhos escapam inadvertidamente próximo às orelhas.

Do seu lado direito, meu pai, vestindo uma camisa igual, bate nervosamente uma caneta contra a mesa. Ele está tenso, isso eu posso perceber. A contratação de Montgomery é a maior já feita pela Delacaux e uma das maiores da história da Fórmula 1. Todos estão um pouco tensos, na verdade, mas a coletiva segue tranquila até agora. Complementando a mesa, estava Heron Chermont, nosso chefe de equipe, Pierre Marc, diretor comercial da Delacaux e Suzie Esme, relações públicas da equipe.

— Sr. Montgomery, o que acha sobre o senhor ter ocupado o lugar de Michael Delacaux, levando em consideração seu envolvimento no acidente que o comprometeu na temporada passada? — uma repórter baixinha e de óculos grandes pergunta no meio da multidão.

Levanto a cabeça e esgueiro-me para ver sua reação. Meu pai o lança um rápido olhar pelo canto do olho e ele sorri, bebendo um gole de água antes de responder à pergunta.

— Essa questão já foi resolvida ano passado — ele responde, sem tirar o sorriso do rosto. Resolvida para quem, pelo amor de Deus? — Eu e Michael não temos ressentimentos e acho que isso é uma página virada para todos nós, do contrário não estaria aqui hoje. Michael tem a história dele na Delacaux e agora estou aqui para fazer a minha.

Um novo alvoroço de mãos e vozes voltam a tomar conta da sala em busca de tentar conseguir fazer a próxima pergunta e mal conseguimos ouvir quando Suzie tenta tomar a palavra para encerrar a entrevista coletiva.

— Infelizmente estamos sem tempo para mais perguntas — ela diz com a voz suave, tentando vencer a multidão que briga pela vez. — Os fotógrafos estão prontos? Vamos fazer as fotos oficiais agora.

Eles se levantam e milhares de flashes disparam em direção à mesa. Henry parece estar muito à vontade com toda essa situação e sorri o tempo todo, puxando e exibindo o escudo da Delacaux de sua camisa para as fotos. Meu pai o abraça e aperta seu ombro, como se ele próprio já fosse uma conquista. Fecho os olhos e respiro fundo. Preciso me acostumar com essa cena, pois é provável que ela vá se repetir muitas e muitas vezes ao longo do ano. Quando as coisas parecem finalmente ter se acalmado, aproximo-me de meu pai, ao mesmo tempo que vejo Henry descendo do palco de entrevistas e vindo em nossa direção.

— Não sabia que tinha essa tendência para surpresas, papai — falo ao me aproximar.

— Não seja dramática — ele beija minha testa. — Se tivesse lhe contado antes, você teria esperneado e gritado aos quatro ventos.

— Me pergunto o porquê — digo, com um sorriso amarelo no rosto.

— Sr. Delacaux, Srta. Delacaux — Henry nos alcança e nos cumprimenta com um aceno de cabeça.

— Montgomery! — meu pai diz, entusiasmado, enquanto lhe dá tapinhas nas costas. — Excelente entrevista. Excelente! Estamos começando com o pé direito.

O Grande Prêmio (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora