Desafio

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Capítulo 2

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"Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la..."

(Clarice Lispector)

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Kayla ainda fitava o rosto atraente do homem à sua frente enquanto ambos davam-se as mãos como se nunca tivessem conversado. Ela era capaz de sentir o coração descompassado, ao ritmo do seu desespero, e a face quente pelo constrangimento. Ignorando a situação desastrosa que parecia interminável, forçou-se a sorrir orgulhosa e fixou os verdes intensos contra o olhar atento de Oreki.

— Ah, então você é a modelo? — indagou o rapaz que os havia interrompido. 

Kayla encarou-o com sua melhor expressão despreocupada, analisando a aparência exótica e os olhos escuros perspicazes. Ele era mais alto que o vocalista, exibindo um penteado moicano cheio de reflexos de cor azul entre os fios negros.

— Sim, é um prazer conhecê-lo — cumprimentou-o educadamente, oferecendo a mão gelada pelo nervosismo.

O fato de serem japoneses, mas estarem dispostos a acolhê-la com um gesto ocidental não passou despercebido pela ruiva. Ela notou, satisfeita, a preocupação de ambos em demonstrar que era bem-vinda. Ao mesmo tempo, porém, ela achou o gesto compreensível, pois Sumire era uma banda experiente com turnês mundiais e sabia dialogar com outras culturas. 

Kayla percebeu que a mão do sujeito a quem agora cumprimentava era ligeiramente maior que a do Oreki. Além disso, o piercing sobre o lábio inferior dava um aspecto selvagem ao sorriso simpático dele.

— Sou Jaoki, o guitarrista base. — A jovem assentiu, lembrando-se vagamente que a banda era composta por cinco membros. 

Ainda muito envergonhada, ela queria logo seguir para a reunião, antes que cedesse ao impulso de encontrar uma rota de fuga e desaparecer dali.

— Eu não encontrei a sala... — explicou ela, trocando um olhar furtivo com o loiro ao seu lado. — Por sorte, acabei conhecendo Oreki-san.

Os orbes escuros escondidos sob as lentes azuis mantinham-se atentos aos movimentos dela, como se estudassem cada mínima reação. Kayla, percebendo-se analisada, conteve-se para não pressionar as próprias mãos uma contra a outra em um patético sinal de fraqueza. Ao invés disso, manteve-se ereta e elegante, desejando internamente que Oreki concedesse uma nova oportunidade para desmistificar a péssima impressão que transmitira.

Aquela oportunidade era imperdível para os seus planos! E Kayla desejava não desperdiçar o que esteve lutando tanto para conquistar.

Havia, ainda, Trevor e Soji que acreditavam nela. Não poderia ser tão irresponsável a ponto de decepcioná-los com seus erros. A constatação a fez suspirar e, apesar de não ser religiosa, rezar intimamente para todas as divindades que recordava, selando a promessa de que faria o que estivesse ao seu alcance para consertar aquele desastre!

— Estão todos aguardando — anunciou Jaoki com seriedade. — Vamos?

Kayla seguiu os rapazes com passos decididos e, após um corredor transversal ao qual estavam, chegaram a uma ampla sala iluminada pelo céu claro de Tóquio através de janelas que simulavam modernas paredes de vidro. Havia uma mesa oval de madeira polida, ao redor da qual se encontravam algumas pessoas.

De um lado, seu franzino empresário que claramente pareceu aliviado ao vê-la. Do outro, um representante da produtora MacKen, trajado em um elegante terno, junto a três rapazes que Kayla identificou como sendo possivelmente o baterista, o baixista e o segundo guitarrista do Sumire. Na extremidade da mesa, um senhor de aparência austera e carrancuda, socialmente vestido em um terno grafite, a encarava com dissabor.

A Garota DelesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora