Yan Torres Morreu por Amor

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Ninguém jamais soube, mas Yan Torres morreu por amor

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Ninguém jamais soube, mas Yan Torres morreu por amor. Foi uma história fascinante, a desse rapaz. Como posso começar?

Em primeiro lugar é bom que eu me apresente, o que no momento me parece a parte mais difícil dessa história. Eu sou o que se poderia chamar de expressão racional do complexo nervoso do Yan. Sou suas conexões nervosas, seu sistema límbico, suas programações genéticas sobre como reagir e criar modelos de pensamento a partir de cada manifestação de seu ambiente. Sou a expressão do que havia de inexpressável no Yan; a razão manifestada a partir do que nele havia de irracional; o pensamento advindo de interações nervosas que jamais puderam progredir à consciência. Se quiser, por conveniência, pode me chamar de "alma" do Yan. Só que eu não vivo fora do corpo dele. Ele morreu e eu morri junto.

Apenas no dia de sua morte fui capaz de gerar essa expressão em palavras, contar essa história. Por que? Por compaixão. Deve ter sido por uma falha na replicação do DNA, dessas que dão de tempos em tempos e fazem as espécies alterarem, essa história de um complexo nervoso com compaixão. Geralmente nós, as "almas", queremos que os desejos dos indivíduos que habitamos vão para o diabo – estamos apenas reagindo aos estímulos do meio ambiente e reprogramando sistemas mentais de acordo com as instruções genéticas que nos foram impostas. Mas eu me compadeci do Yan, pois ele sempre desejou que as pessoas soubessem que ele morreu por amor. Um desses desejos sem sentido que eu tive de dar a ele devido a alguns instintos sexuais e sociais.

Desde criança fiz com que Yan sempre fosse muito vulnerável aos estímulos emocionais. Ouvia seu avô, por exemplo, com um senso raro de admiração, afeto e respeito. Seu avô lhe disse uma única vez para molhar os pulsos antes de pular na água fria e usei toda a admiração de Yan para programá-lo a, pelo resto de sua vida, executar ritual quase solene de mergulhar os pulsos na água, aguardar minutos e só então avançar no mar. Contou-lhe um dia uma história de atropelamento e eu o conduzi a sempre olhar para os dois lados antes de atravessar a rua.

Yan brincava com seus vizinhos do prédio de todo tipo de esporte. Desde sempre dizia que sua brincadeira favorita era o futebol. Não era. Yan não sabia, mas sua brincadeira favorita quando era mais criança era o cabo de guerra. Ignorou esse sublime sabor por cessão aos desejos de seus amigos. E, depois de adolescente, enquanto continuava dizendo que seu jogo favorito era o futebol (uma vez disse que era apostar corrida, devido ao calor de uma vitória, mas logo esqueceu), sua brincadeira favorita era mesmo o jogo de adedanha. Para quem não sabe, adedanha é aquele jogo em que se sorteia uma letra e cada jogador tem que falar uma palavra começando por aquela letra, geralmente de acordo com diferentes categorias (animal, cidade, objeto). Nessa época, Yan jogava muito com seus pais e com sua irmã.

Um dia um amigo mais velho da família também jogou. Dei a Yan uma vontade enorme de se mostrar inteligente perante o estrangeiro, tão grande que ele se afobou e errou uma palavra simples. País com A: América. Todos riram dele. Yan queria fugir, queria sumir dali. Não soubera onde estava com a cabeça. Eu sabia. Ele estava com a cabeça concentrada em ser melhor contra o intruso que invadira o jogo favorito dele com sua família. Desde esse dia, passou a dizer que não gostava de nenhum jogo "parado". Reforçou a tese da preferência pelo futebol. Era mentira. Sempre guardou consigo as delícias daquele jogo. E toda vez que negava brincar com algum grupo, para manter a imagem que então criara de si, remoía-se por dentro.

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