Prelúdio - O Céu de Vidro

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O céu em Bienenstock era cinzento e manchado pelas luzes que incidiam nele, nuvens artificiais derramavam sua torrente interminável de gotas d'água, um erro na programação das máquinas que às criavam e uma das 25 áreas ficaria inundada. Lixo se acumulava nos becos e vielas, apenas as ruas principais permaneciam limpas o suficiente para a população transitar.

Na sacada de um edifício uma mulher conversa com outra através da rede, óculos de imersão em sua face, um cigarro cibernético em seus dedos, sua risada ecoa nos prédios a sua frente. Em um beco logo abaixo, mendigos se reúnem em sua embriaguez e pobreza, juntam equipamentos eletrônicos que foram descartados e mergulham de forma precária na rede, utilizando de conexões livres próximas de bares e cafés. Em outro lugar um homem se agarra a uma prostituta e faz juras de amor eterno, dois pequenos furos em seu pescoço indicam o uso de drogas, duas agulhas que injetam nanomáquinas capazes de te fazerem sentir prazer com quase qualquer coisa, e no fim do dia saem junto com a merda feita no banheiro.

O sinal para os pedestres atravessarem a rua fica verde, os faróis dos carros se alinham enquanto a multidão passa e uma garota com um capuz sobre a cabeça fica parada no meio da faixa de pedestres. Chuva gelada encharcando suas roupas embaixo da jaqueta de plastico aberta que exibia um logo escrito em kanjis.

Seus lábios se movem murmurando palavras abafadas pela cacofonia da rua. As pessoas a ignoram. Poderia se tratar de mais uma drogada, mais uma pessoa afetada pelo precário sistema em que viviam, ou quem sabe sofria da síndrome do vazio.

— Essa não é a realidade... quantas vezes eu já tivesse esse sonho?

Fitava o chão molhado que refletia as luzes alaranjadas e azuis dos postes, faróis e letreiros de neon.

— Isso não passa de um sonho... sim, isso não é a realidade é apenas uma extensão do sonho. Essa multidão que desaparece...

Segurava pendendo ao lado do corpo um livro de capa escura, suas páginas molhavam enquanto ela seguia naquele murmúrio.

— O sonho que sonho toda noite é a realidade, e ela está fora dessa cidade com céu de vidro.

Um relâmpago rasga o céu, o barulho faz tudo tremer, parecia tão real, tão vivido, uma serpente de energia elétrica que fulmina o que sua boca alcança.

— Alimenta este fogo com fogo, até que se extinga e obterás a coisa mais estável que penetras todas as coisas, e um verme devorou o outro, e emerge esta imagem.

O som de buzinas se torna alto quando o sinal para os pedestres fica vermelho. Ela ainda permanece onde estava.

— Sua louca! — grita um motorista passando com seu carro próximo a ela.

A chuva aumenta e as luzes de um caminhão se aproxima em alta velocidade iluminando sua face quando se volta para ele antes da colisão.


Serpente do Vazio - Irregular (Completo)Where stories live. Discover now