PRÓLOGO - Carta Coringa

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"Você não deveria ter feito isso, você sabe muito bem o que vai acontecer", repetia Daniel, andando de um lado para o outro no quarto do hotel.

††

Naquele momento, Daniel só conseguia se sentir triste e arrependido pelo que havia se tornado: um fantoche na mão de si mesmo; alguém perdido entre ordens e devaneios vindos da pior pessoa possível para se controlar: ele próprio.

O quarto, cuja porta levava o número 11, era uma suíte simples, se é que assim podemos chamar, do Hotel Unique, localizado próximo ao centro de São Paulo, bem perto do Parque Ibirapuera. Apesar da angustiante circunstância que o levava ali, Daniel gostava da beleza daquele lugar. Situado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, o Unique era uma construção com linhas bem curvas, sustentadas por colunas em formatos cilíndricos. O hotel, bem alto, lembrava o desenho de um barco, e não poupava esforços em ser chamativo. Daniel nunca havia entrado lá, e gostou do que viu. Apesar de ter sido criado em uma tradicional família de classe média, ele sabia admirar um ambiente bem decorado. Apaixonado por detalhes, tentou observar exatamente tudo, em busca de entender o motivo da escolha daquele lugar. A entrada era ornamentada por suntuosas janelas horizontais, poltronas modernas no melhor estilo "Black & White", arranjos de flores aparentemente naturais, e seguranças sem personalidade ou carisma. Enquanto segurava em suas mãos trêmulas um papel rascunhado, foi subindo as escadas em direção ao quarto que estava sendo orientado a ir.

Nada fazia muito sentido até então. Quem teria gastado parte de sua renda mensal para passar, sozinho, um dia e uma noite em um hotel de luxo no centro da cidade em que mora? Isso não soava muito divertido, porém, ele estava apenas seguindo o script.

A numeração dos noventa e cinco quartos que o hotel comportava seguia um padrão linear, e, enquanto Daniel subia, os números seguiam decrescendo, como se ele estivesse em uma contagem regressiva para descobrir o próximo capítulo.

Quando chegou ao último andar, começou a escutar uma música relativamente alta e resolveu ver o que era aquilo. Um lance de escadas amadeiradas levava para o topo da construção, um espaço para festas, decorado com o máximo de glamour possível. O ambiente a céu aberto era claramente dividido em dois ambientes: uma série de tendas, onde as pessoas se sentavam em pufes coloridos para conversar e tomar drinks, e uma piscina de pequeno porte cerceada por vidros, fornecendo uma ótima imagem da cidade.

Daniel ficou parado por alguns instantes olhando aquela cena. Suas vestes bucólicas de quem está apenas passando mais um dia numa cidade cosmopolita não eram muito condizentes com a situação festiva do local, onde alguns jovens aparentemente ricos se divertiam com suas companhias ao som de música eletrônica. Então, resolveu voltar para o seu destino: o quarto 11.

Parado em frente à porta, Daniel pegou o cartão magnético que havia recebido na recepção e colocou lentamente no spot do quarto. Após um breve scan, um led alterou sua coloração de vermelho para verde e a porta destrancou.

Definitivamente, aquele não era o tipo de quarto que Daniel optaria por alugar. Seu gosto era simples demais para todo aquele requinte.

O quarto era relativamente pequeno, tudo o que não era branco estava em tons bem vivos, que oscilavam entre o azul e o verde. Uma parede de vidro semitransparente dividia o quarto em duas metades: o dormitório e a sala de estar. Tudo estava bem organizado e quase nada estava fora do lugar. Bem típico dele, pensou.

Daniel se sentou em uma das duas poltronas dispostas em frente a uma mesa de centro, com uma pedra ametista em estado natural parcialmente cortada. No braço da poltrona, encontrou um bilhete:

"Hotel Unique – Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

Quarto 11.

Roteiro:

Dois FragmentosWhere stories live. Discover now