Logo em uma das primeiras páginas, o poema que suga minha atenção por não só não ser tão grande, entretanto, a carga depositada desde a primeira frase é capaz de bagunçar meus pensamentos.

— "Amor é um fogo que arde sem se ver..." — começo, um tanto trêmulo.

Luís Vaz de Camões. — complementa, acredito que dizendo quem o escreveu. — Adoro este poema. Continue.

"Amor é um fogo que arde sem se ver.

É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se e contente;

É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

Abro um sorriso estreito, quando chego ao fim. Os olhos azuis meramente acinzentados reluzem, como se a doutora estivesse emocionada. Fecho o livro com as mãos e repouso-o sobre as pernas fletidas. A psicóloga começa a falar sobre a belíssima poesia lida há instantes, no entanto, minha mente se prende ao tema confuso abordado nele:

"Amor."

Já ouvi essa palavra várias vezes, mas nunca parei para pensar sobre seu significado. No poema, o autor encaixa inúmeros significados para o amor, significados que eu jamais associaria. Parece ser um sentimento mais forte do que os que estou acostumado a sentir, mais intenso e real.

Intrigado, vasculho discretamente as outras páginas do livro em busca de outros poemas do tipo. Não é difícil encontrá-los, tampouco demorado. Lendo inúmeras situações curiosas, percebo que o amor pode tanto machucar quanto cicatrizar; é capaz de alegrar ou entristecer; assim como doer ou aliviar.

É estranho constatar que um único sentimento consegue manipular tantos outros.

Entendi, com a ligeira leitura nos textos rimados, que o amor pode envolver mais de uma pessoa, referir-se a alguém ao invés de um objeto e que, na maioria das vezes, diz respeito a uma garota. Ora a detalhar sua beleza única, ora a enaltecer a personalidade marcante. Solto uma risada curta, absorvendo meramente algumas informações.

O amor é algo muito maior e mais complexo do que meu cérebro antes entendia. Sei que amo o espaço, os planetas e os cometas. Porém, este amor não entra explicitamente em nenhuma destas poesias. Só na da psicóloga. Talvez esse cuidado dela também seja uma forma de amor.

•••

O final de semana chega mais rápido que o normal, como se viesse embarcado em um foguete. As chamas de sua vinda, elas colorem minha manhã e acalmam. Ao julgar pelo horário, Iris virá a qualquer momento.

Sentado sobre o chão de madeira corrida, com as pernas cruzadas, agrupo meus papéis repletos de pesquisas, desenhos e poemas. Dr. ª Patricia estava certa sobre o experimento me ser bom. De fato, foi. Gosto de me desafiar. Movimentar a arte em mim é a melhor parte de nossos encontros, com a Anna falávamos muito e, por mais que eu adorasse, explorar meus limites me traz a sensação de importância. Sinto-me blindado pelo ofício.

Ruídos de SaturnoWhere stories live. Discover now