Sobrevivente do Deserto (One-Shot)

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Já era alta madrugada. O coro constante de um guizalhar promovido pelos grilos populava o deserto aparentemente sem fim. Eles faziam parte da fauna local, junto à aparição eventual de lagartos, cobras, escorpiões e um sem número de formigas e baratas. Se não fosse um período tão escuro, provavelmente estariam também presentes alguns abutres rodeando a cabeça de possíveis presas abandonadas ao longo do extenso terreno árido. Suas carcaças carcomidas por vermes eram marca registrada daquele espaço seco, comumente encontradas em estado de decomposição avançado, no qual uma parte ou o todo de seu esqueleto era casualmente largado pelo chão, adicionando o toque da beleza trágica dos crânios e colunas ao horizonte de cactos e árvores secas.

Eventualmente, aclives quebravam o padrão e formavam planícies e montanhas, grandes formações rochosas que traziam consigo a possibilidade de criar um local adequado para conter o líquido insípido depositado pelas raríssimas chuvas que abençoavam o clima da área. Aventureiros optavam escalar tais obstáculos não apenas por isso, contudo, e davam tudo de si em suas jornadas para desafiarem seus próprios limites físicos a fim de obterem a glória da conquista que é alcançar o pico e bradar um grito de vitória. No topo, havia também outra possibilidade de se obter água. Mapas, bússolas e binóculos são itens essenciais para encarar aquelas terras, pois assim era sempre possível buscar rios, estradas e cidades próximas.

Johnny Narsh tinha tudo isso em sua mochila, além de um saco com pólvora, um cantil para conservar bebidas e sua carabina carregada em mãos. Em seu cinto, uma faca de sobrevivência e uma fivela dourada reluziam timidamente ao serem tocadas pela luz do luar, enquanto o homem seguia a passos lerdos em direção à beira de uma estrada, tendo como alvo um enorme outdoor metálico. Sua respiração arrítmica se tornava ainda mais difícil de ser mantida devido ao ar seco da região, que raspava dolorosamente em sua garganta a cada arfar produzido por seu corpo exausto de tanto correr. Já não sabia dizer há quanto tempo estava em movimento, nem mesmo ouvia qualquer som senão o produzido pelas batidas de seu coração.

"Diabos", cuspiu, ajeitando a gola de sua camisa flanela enquanto erguia os ombros e ajustava a alça de sua arma, garantindo que sua base e o estabilizador estavam prontos para entrar em conflito. Girava o seu corpo, arrastando suas botas de couro pelo monte de areia e pedra, fincando suas pernas em dois pontos paralelos e erguendo sua coluna na intenção de obter uma pose ideal para melhor precisão. Preparando seus braços e posicionando sua arma na altura de seus olhos, ele se concentrou no pequeno ponto metálico que usava como mira. Puxando o carregador, preparou exatamente uma bala e deu um longo suspiro.

Congelou, permanecendo imóvel enquanto gotas de suor continuavam a percorrer o seu rosto e seus braços. Franzindo as sobrancelhas, ignorou como a corrida foi o suficiente para que as gotículas se acumulassem também em seu peito e nas axilas, marcando sua roupa de cor caqui. Ele daria conta das manchas e do odor depois, quando estivesse em segurança. Sendo um viajante, ele reconhecia a importância de manter uma boa aparência, mas também tinha outras prioridades. Neste caso, queria ficar vivo para poder pensar em como obteria um bom banho ali. Segundo sua memória - e assumindo que ela não o estava enganando ou faltando peças como da última vez - faltava pouco para alcançar a cidade seguinte, bastava seguir mais algumas milhas em direção ao sul. "Mas não, você tinha de fazer isso", ele se lembrava, insultando a si mesmo.

Ao enrijecer os lábios, ainda podia sentir o gosto de feijão estragado no interior de sua boca. Querendo ou não, precisava de duas coisas naquela noite: comida e acampamento. Uma pequena fogueira feito à mão e um grosso pano velho usado como lençol serviriam por algumas horas antes do desconforto se tornar insuportável. Ao menos descansaria um pouco. Um feijão cheio de larvas brancas saindo de dentro das cascas, por outro lado, seria uma refeição capaz de arruinar dias a fio embrulhando o estômago e provocando enjoos. Tornaria o desafio de atravessar o deserto um inferno ainda mais problemático - e também não seria nada agradável.

Sobrevivente do DesertoWhere stories live. Discover now