No auge de seu turbilhão emocional, projetara no outro a sua sensação de estabilidade, sua esperança de felicidade, sua necessidade por completude. Sobrepujara a amizade que construíra com o desespero desenfreado por aceitação. Não seria hipócrita nem ingênuo a ponto de dizer que nada disso existia mais; a aceitação tão necessitada, contudo, agora partia de si próprio, como deveria ser. Ainda era um trabalho em progresso, uma tela ainda pintada, um enredo sem finalização. Não sabia bem onde ia com a vida, onde seus caminhos o levariam, mas a paz de espírito e a plenitude vinda da certeza de ser quem era acalmavam seu coração.

Forçou-se a colocar um sorriso no rosto e focar sua atenção ao que estava acontecendo ali. Sua resolução agora era de não mais fingir ser o que não era na tentativa vã de se encaixar em um grupo. Os dois os conheciam a tempo demais para que Luís conseguisse se convencer de que algo seria diferente. Ele ainda era a mesma pessoa, embora não fosse.

— Não tenho do que reclamar — Pedro anunciou em meio a risadas, erguendo a garrafa de vidro amarronzado em um brinde silencioso.

Jorge o acompanhou na risada, balançando a cabeça em negativa enquanto um sorriso debochado estampava seu rosto.

— Do que vocês estão falando? — Luís resolveu perguntar, decido a se inteirar do assunto.

— Da minha noite de ontem — Pedro respondeu, sem pudor. Luís soltou uma risada descrente.

— Não acho que a Helena vai ficar muito feliz de saber que você anda por aí contando o que ela faz ou deixa de fazer — ele advertiu, ainda que em tom de brincadeira. Tinha sentimentos conflituosos em relação à garota, mas não conseguia odiá-la. Tinha pena, acima de tudo, pela forma como viva sua vida. Seria hipócrita se dissesse que não entendia ou se a crucificasse por fingir ser o que não é. Esteve nessa posição por muito tempo e sabia bem o peso de cada decisão. Empatia era o que sentia por ela, mas nada mais.

Ainda assim, conhecia Pedro o suficiente para saber que, quaisquer que fossem os detalhes que ele estava compartilhando na mesa, não o estava fazendo porque estavam entre amigos. Pedro falaria o que fosse para quem fosse; sua reputação o precedia. Não havia quem não soubesse de suas aventuras, em detalhes desnecessários e reveladores. Conhecia Helena o suficiente, também, para saber que ela talvez até gostasse da exposição. Qualquer coisa que fizesse o mundo saber que era a ela que Pedro pertencia. Ainda assim, não estava confortável de saber qualquer detalhe íntimo de uma pessoa que conhecia tão bem.

— Quem falou de Helena? — Pedro retrucou, sobrancelhas franzidas enquanto levava uma porção de batatas à boca. Ele tentou falar alguma coisa, mas a boca cheia de comida o impediu de pronunciar qualquer coisa além de uma risada descomposta.

— Ele está falando da Caroline — Jorge explicou, em um tom entediado. Quando Luís o olhou, confuso, ele ergue as mãos sobre a mesa. — A loira, aquela do segundo ano.

Luís sabia de quem estavam falando, não entendia o porquê de estarem falando dela. Esperou Pedro terminar de engolir o que tinha na boca, aguardando uma explicação, que não veio.

— Achei que você e a Helena ainda estivessem juntos — Luís indagou, tentando manter para si o tom julgador, mas teve a impressão que falhou.

— E estamos — ele respondeu, dando os ombros, enfiando mais uma porção generosa de batatas em sua boca. Ah, Helena.

Se perguntou se tinha alguma obrigação moral em alertá-la. Ou em tentar repreender Pedro. A verdade é que tinha certeza que era um caso perdido. Ou talvez tenha sido o que convenceu a si mesmo ser a verdade para justificar ter apenas dado um gole em sua bebida e permanecido em silêncio enquanto os outros dois continuavam a dissecar a vida sexual da garota que não estava ali para conceder sua autorização para tal ato.

Obsidiana FraturadaWhere stories live. Discover now