Amar é...

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O crepúsculo matinal anunciava um dia encoberto.
Eram seis horas, e ela não conseguira dormir ainda.

No dia anterior, tomara uma decisão muito importante, falando para seu melhor amigo que estava apaixonada por ele e lhe propondo namoro.
Coisas assim tão corriqueiras não deveriam ocupar seu pensamento, visto que sempre defendeu a tese de que a vida não passa de uma grande representação, quem sabe uma farsa, onde interpretamos sempre o papel das nossas conveniências.

Portanto, questionava-se se a insônia advinha do fato de ter que admitir o que considerava ser um sentimento tão estúpido e artificial, ou se era devido à possibilidade de ser correspondida e ter que encenar uma personagem para cuja performance não havia ensaiado.

Para piorar, seu amigo pediu um tempo para responder, e isso a afligia mais que a própria decisão de se declarar.

Cabelos desgrenhados, chinelos e pijamas a conduziram rumo à cozinha, onde fez um café encorpado, esquecendo-se de que isso a afastaria mais ainda do aconchego de sua cama.
Com uma golada só, nem percebeu o aroma singular que o café fumegante exalava pela casa.

Foi até a sala, pegou duas almofadas, acomodou-se no macio sofá, ligou a TV e tentou prestar atenção nas notícias do telejornal.
A “mulher do tempo” confirma o que ela já avistara pela janela do seu quarto: nublado com trovoadas no decorrer do período.
Indolência e tempo chuvoso – será que essa bela combinação é prenúncio de um bom prognóstico?

As primeiras gotas da chuva sussurraram sobre as folhas espalhadas no quintal, numa percussão de lamúria e descontentamento.
Amar é isso? Incerteza, inquietude, desesperação?
Na certa, isso acabará quando ele lhe der a resposta tão esperada... Porém, enquanto o sim desejado não vem visitá-la, o dia come as horas pela beirada e se arrasta numa interminável hesitação, como que querendo poupá-la do momento da decisão a ser ouvida.

Seus pensamentos já não são seus:
Quantos nãos já foram ditos e ouvidos sem que o mundo desmoronasse?
E por que isso aconteceria exatamente agora e exatamente com ela, se ouvisse um não como resposta?
Quanta agonia por algo tão insignificante...
Quanta submissão ao imponderável...

A resposta que cada um espera é a resposta que cada um já deu ou ouviu...

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