18 de Setembro de 1989

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— Minha filha, me escuta...

Mamãe estava abaixada para ficar da altura dela, tentava prestar atenção no que ela dizia, porém era muito confuso de entender com Papai batendo na porta do quarto. Ele gritava palavras feias que ela não queria ouvir.

— Olívia! — chamou sua mãe balançando seu corpo — Vá para dentro do guarda-roupa e fica com a sua irmã, agora!

Embora mamãe mandasse, Olívia não queria sair de perto, não queria desgrudar das mãos dela, sentia de alguma forma que nunca mais a veria se assim fizesse. Então segurou ainda mais forte seu braço, fincando os pequenos dedinhos no pulso dela.

— Helena, você vai se arrepender se eu derrubar essa porta!

Olívia via medo nos olhos da mãe, que estavam vermelhos feito pimenta do reino, olhar para eles traziam sentimentos estranhos que Olívia não havia sentido antes, a não ser no dia em que quase fora mordida por um cachorro de rua, sentiu tanto medo que ficou paralisada. Os que sentia naquele momentos eram parecidos, porém mais fortes e intensos. Achou estranho, já que estava protegida em casa, longe de qualquer cachorro.

— Querida, preciso que me escute — ela chegou perto do rosto de Olívia e com a mão fez uma concha entorno do ouvido dela como se fosse contar um segredo, a impedindo um pouco de escutar os murros na porta — Mamãe falou algo para o Papai que ele não gostou. Está bravo e não quero que ele faça nada de mal com você e com sua irmã — ela retornou a olhar para Olívia, agora chorando, as lágrimas descendo pelas bochechas. Olívia percebeu que tinha bochechas iguais a da mãe.

De alguma forma que ela não conseguia explicar, a voz calma de sua mamãe falando ao seu ouvido aliviou o medo, sentiu que agora podia soltar a mão dela e se juntar com a irmã mais velha dentro do guarda-roupa. Entretanto quando finalmente se colocou a andar, a porta do quarto se abriu, só que de um modo diferente, caindo de costas no chão. Olívia parou com o susto e olhou para seu papai, ele estava com raiva, furioso semelhante as vezes que ele chegava em casa segurando uma garrafa de vidro nas mãos, andando engraçado de um lado e para o outro. A única diferença era que ele não tinha garrafa na mão.

A pequena Olívia só percebeu que estava com o rosto no chão, quando ouviu o grito de sua mamãe chamando seu nome e logo após um alto e longo NÃO! Levantou seu rosto, a bochecha queimando com tapa que papai lhe dera e olhou para mamãe deitada na cama, papai com o braço levantado acima da cabeça e sem seguida um estalo agudo, iguais aos que ela recebia quando era malcriada, porém esse devia ser mais forte, já que mamãe estava chorando por causa dele.

— É isso que acontece com gente intrometida! — gritou papai antes de bater mais uma vez na mamãe.

— Roger, por favor, as crianças!

Olívia com os olhos arregalados viu papai olhar para ela, ele estava babando e antes que ele fosse até ela e fizesse a mesma coisa que fazia com mamãe, Olívia correu para debaixo da cama e ficou ali com os olhinhos fechados, a respiração entrecortada, sentindo o gosto do sangue dentro da sua boca; era ruim, não gostava, mas engoliu junto com saliva.

— A culpa é sua! — Olívia ouviu — Nada disso estaria acontecendo — mais um tapa — se você não fosse — outro, dessa vez mamãe gritou mais forte. Olívia se encolhia a cada estalo que escutava — atrás de mim!

— Quem era ela, Roger?

— Você quer saber? Quer mesmo? — Olívia escutou outro estalo.

De repente papai parou de falar, apenas escutava a mamãe dizendo que não, não, não, por favor, não!

Depois a cama começou a se mexer de um jeito estranho, indo e vindo, as molas rangendo sobre sua cabeça enquanto mamãe soltava uns sons engraçados com a voz, parecia que ela estava imitando o som de um cachorrinho chorando. Para Olívia tudo era confuso, não conseguia compreender nada daquilo, estava com medo, muito medo até que uma voz falou com ela. Não era a voz da mamãe, nem do papai. Olhou em volta da cama e não viu ninguém ao seu lado, apenas bolinhos de poeira rodopiando com a sua respiração.

Não tenha medo, estou aqui com você!

A voz retornou a dizer. Ela vinha de dentro da sua cabeça; era meiga e suave, assim como a da mamãe, porém nunca tinha escutado ela antes.

Estou com você, te protegendo.

Olívia não conseguia responder, entretanto sentia que a voz não mentia para ela, sentia sinceridade, como se ela fosse de alguém conhecido. Atrás dessa voz, papai gritava um nome, ela não sabia a quem pertencia esse nome, mas mesmo assim ele continuava a chamar enquanto a cama continuava a se mexer, de um lado para o outro, para frente e para trás.

— Verônica! O nome — a cama foi e voltou — dela é Verônica!

Papai parecia rosnar encima da cama. Olívia não compreendeu o porquê dos dois estarem imitando sons de animais.

— Ela é melhor que você! Minha amante rebola melhor que você!

Ouça a minha voz, somente ela, esquece a dele.

E assim Olívia obedeceu. A voz do papai chamando Verônica foi sumindo aos poucos, ficando distante. O movimento da cama parou de incomodar, o rangido das molas quase não existiam mais.

Feche os olhos e tenha calma que tudo vai ficar bem!

Olívia fechou, só que não por completo, ficando um espacinho para ela poder ver a mão de sua mamãe balançando à sua frente. Segurou firme por um tempo e só quando sentiu o aperto gostoso de volta, fechou os olhos totalmente, os dedos dela acariciando seu dorso.

Mesmo com todo aquele barulho, Olívia pegou no sono. Mesmo com sua mãe sendo estuprada logo acima dela, pegou no sono. Mesmo com seu pai chamando o nome da amante ao invés do nome da mãe, ela pegou no sono. A voz confortava ela, a protegia.

Olívia não sabia e talvez morreria sem saber, mas a voz que a confortava, possuía pouco a pouco sua mente enquanto dormia, tornando ambas em uma só. Além de acalmar naquele momento, a voz permaneceria com ela para o resto da vida, surgindo sempre que necessário para trazer Olívia de volta aos eixos. Ela agora era sua âncora, seu porto seguro e nada nem ninguém iram separa-las.

E como a voz não tinha nome, sua mente colocou um do qual sabia que Olívia iria se identificar, mesmo futuramente esquecendo o real motivo para isso.

A voz passou a se chamar Verônica.

Olívia passou a se chamar Verônica.

Dois nomes para o mesmo corpo.

Duas personalidades em sua só mulher.

Esposa e amante, juntas em uma só carne.

A OUTRAWhere stories live. Discover now