OLÍVIA

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17 horas antes da morte

Levanto a persiana e olho através da janela pela quarta vez — ou seria quinta? A rua permanecia jogada no silencio, envolvida pelas sombras da noite, nenhuma movimentação a não ser das árvores balançando com uma brisa fraca; nem mesmo as criaturas noturnas davam seu ar da graça, me lembrando que provavelmente eu era o único ser acordado.

Volto para cama, puxando o cobertor para o rosto furiosamente, implorando para o meu cérebro sossegar e assim eu poder dormir, porém a cada vez que eu fechava os olhos a imagem do meu marido transando com outra mulher me vem à cabeça. Viro o corpo na cama, minha mão alisando o espaço vazio ao meu lado, puxando as dobras irregulares do lençol, meus olhos parando no formato côncavo em seu travesseiro, minhas pernas roçando o colchão que repentinamente se tornara imenso, exigindo outro corpo para completa-lo.

Provavelmente é a secretária, sempre é a secretária.

Era um pensamento melodramático, eu sei! Principalmente vindo de mim: a mulher que sempre levanta a bandeira do feminismo; "nenhum homem vai me dizer o que tenho que fazer!", porém não conseguia achar outro motivo de tamanha demora. Pelos meus cálculos, do aeroporto até aqui não levaria duas horas, ainda mais sendo meio da semana, onde o tráfego costuma ser mais rápido.

Será que ele fora assaltado? Sim, isso explicaria a demora, assim como uma traição!

Em que momento da minha vida eu comecei a ser a esposa preocupada? Lembro-me de na infância caçoar da minha mãe nos momentos em que papai, na época caminhoneiro, demorava de chegar em casa e ela passava horas tricotando sentada numa poltrona velha, sob a luz amarela de um abajur, olhando de tempos em tempos pela janela, orando para que ele chegasse logo e em segurança; queria eu saber tricotar, pelo menos o tempo passaria mais rápido...

Definitivamente eu preciso fazer alguma coisa, ser só mais uma mulher casada não dá para mim, é chato e tedioso! Não há literalmente nada para fazer a não ser esperar, olhar para lugar nenhum enquanto O Homem não chega em casa, trazendo toda a carga do trabalho e empurrando ela no meio das minhas pernas! Todos esses planos que tinha — curso de fotografia, aula de costura e culinária —, não fazem sentido algum, no final das contas, parece que estou querendo brincar de viver feliz quando na realidade não estou; até uma cômoda inteira eu separei para as atividades terapêuticas, como Ricardo, meu psicólogo diz. Agora ela me vigia em frente a cama, me alertando do quão inútil eu sou...

A luz de um carro passando do lado de fora invade o quarto, deslizando silenciosamente pelas paredes, partindo de uma extremidade a outra do cômodo escuro enquanto movia-se por trás dos objetos — vasinhos de planta, da máquina de costura, da caixa de jóias —, projetando sombras desformes pelo ambiente. Por breves segundos, os porta-retratos pendurados são iluminados, revelando modelos sorridentes, nos mais diversos cenários, contando suas histórias através das imagens. Quem quer que olhasse para aquelas fotos, veria um casal feliz, cujo o amor é tão visivelmente inabalável que seria quase impossível ele não durar para sempre.

No entanto, encarando cada uma delas, chego à conclusão de que toda essa felicidade ficou presa na moldura, trancafiando os dois felizes amantes naqueles momentos registrados há pouco tempo atrás, mas que pareciam décadas.

Olho para o relógio ao meu lado na mesa de cabeceira. Aqueles números vermelhos marcando 3h25 AM me encaram, juntamente com a taça de vinho que eu havia me servido; dois dedos e meio de líquido ganhando uma fina camada de poeira.

Havia feito diversas ligações, todas caindo na caixa postal seguidas da voz rouca de Miguel jurando que retornaria quando pudesse, entretanto, quatro horas se passaram e nenhuma notícia e de alguma forma eu não esperava que ele me retornasse.

A OUTRAWhere stories live. Discover now