TREZE DE DEZEMBRO: VOCÊ ME MATOU

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   Eu passei dias tentando me convencer de que a imagem daquela festa não era real, mas todas as vezes que eu tentava fechar os meus olhos para dormir, ela voltava a me perseguir. Eu estava enlouquecendo.

Você continuou falando comigo, todos os dias. No colégio, por mensagens, por ligações que eu não queria atender mas você insistia e a sua insistência me fazia aceitar para não te ver na pior, como eu estava.

Eu sempre fui muito idiota mesmo.

Você não percebeu que eu havia passado do estado de "morto" para o "deixou de existir", você não notou nenhuma alteração no meu comportamento, Percy.

E você, que me prometeu as estrelas, tirou o meu céu na primeira oportunidade.

— A gente deveria sair algum dia desses, você gosta de filmes, não é mesmo? A gente pode ir ao cinema. — você disse enquanto eu comia o meu sanduíche de geleia de morango e não demonstrava nenhum interesse nas suas palavras, eu já não olhava em seus olhos, eu já não sentia o meu coração bater forte por você, ele apenas estava gélido, mais rachado do que sempre esteve.

— Pode ser. — eu respondi após uns segundos e então a Amberly se sentou do nosso lado, com sua bandeja repleta de coisas que ela sempre comia.

— Você também percebeu o quanto o Augus está estranho? — ela perguntou para o Percy que me analisou melhor, ao menos a Amberly conseguia me entender sem eu precisar falar nada, ela me conhecia, me conhecia muito bem.

— Eu não estou vendo diferença alguma. — você respondeu e então me amostrou aquele sorriso perfeito que se tornou irritante para mim, você não deveria sorrir para o seu garoto da festa, Percy?

Se você estiver lendo isso, saiba que você me matou, não de forma física, mas de forma sentimental. Você matou o meu amor por você, matou as minhas esperanças de um dia ver o sol nascer mais quente e brilhante, você matou tudo, inclusive as borboletas que ao invés de estarem em meu estômago, estavam no meu corpo todo.

Naquele momento eu fui salvo pelo sinal do penúltimo período de aula, Educação Física, onde eu sempre ficava no banco porque os garotos e o próprio professor não me achavam bom o suficiente para participar daquilo, eu sempre os agradecia mentalmente, mas nesse dia, Treze de Dezembro, tudo mudou.

— Souts! — gritou o professor e então o seu indicador estava apontado para mim, sozinho na arquibancada. — Vá para o vestiário, hoje você vai participar de uma partida e pode escolher em qual lado ficar.

Eu quis gritar um "não" mas sabia que isso não ia resolver situação alguma, mas juro que tentei convence-lo de que estava com terríveis problemas para não participar daquilo, se você estiver lendo isso, saiba que eu não consegui, ou seja, eu participei daquele jogo infeliz que me deu motivos suficientes para fazer o que eu fiz.

No vestiário estavam os mais populares do colégio e os seus seguidores submissos que sempre se comportavam como uns babacas com todos do colégio, eles se achavam superiores e era por isso que, na maioria das vezes, eu evitava o contato com todos durante a Educação Física.

O primeiro passo e o mais constrangedor era me despir na frente de cada um deles, não deveria ser um problema, já que ninguém percebeu a minha entrada naquele infeliz vestiário e continuaram com as suas ações.

Eu abri o meu armário, eu peguei o uniforme preto e branco que eu nunca havia usado e então eu comecei a tirar peça por peça da minha roupa, eu vesti aquele shorts de basquete o mais rápido possível e antes que eu pudesse passar para a camisa sem mangas longas, o primeiro comentário chegou.

— Ih, olha lá. — disse um garoto que estava próximo a mim. — O Souts quer bancar as garotas depressivas e começou a cortar os braços. — seu comentário fez outros garotos se aproximarem de mim e então as risadas e piadas começaram.

Aquela foi a primeira vez que eu passei por algo do tipo no colégio, eu sempre fui invisível, eu nunca foi notado antes, e agora lá estava eu, sendo chamado de coisas como:

Gay.
Inútil.
Dramático.
Mulherzinha.
Chamador de atenção.

Algumas pessoas conseguem esconder o que sente e levar isso numa boa até desmoronar em um local seguro, eu não consegui fazer isso, eu não consegui fazer absolutamente nada porque já haviam problemas demais dentro de mim e isso piorou quando eu corri para fora do vestiário enquanto todos aqueles garotos continuavam a rir e me chamar de coisas escrotas enquanto seus tapas eram disferidos contra minha nuca ou alguma outra parte do corpo, até foi possível ouvir um deles gritar um: "Vai lá se cortar, se quiser me pede ajuda."

As pessoas costumam a ser ruins. Pode ter sido uma brincadeira para eles, mas aquilo me afetou de todas as formas, das piores formas.

Eu não me lembro de muita coisa, eu apenas corri, corri o suficiente até chegar em minha casa e só então senti o quanto as minhas pernas estavam doloridas, eu estava desgastado, cansado, essa era a minha morte física.

Treze de Dezembro, Percy.
Treze de Dezembro, Amberly.
Treze de Dezembro, Davinia.
Treze de Dezembro, Kevin.
Treze de Dezembro para todos vocês.

Eu subi as escadas de casa o mais rápido possível enquanto as lágrimas desciam por meu rosto, quentes e sem fim. Eu peguei uma das minhas malas escondidas e eu juntei o máximo de calmantes diferentes que eu consegui, todos fortes.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito.

E um pouco de água que sempre estava na minha garrafa na mochila.

E novamente voltamos aos cortes.

Quando estamos tristes demais e desejamos que tudo acabe, sempre temos inúmeras formas de fazer isso acontecer, foi o que aconteceu. Eu enchi a minha banheira até um nível considerável, meus braços sangravam e manchavam o uniforme quando eu me despia para ficar somente com aquela cueca preta.

Esse era o plano. Talvez essa página seja a mais suja de sangue, afinal, eu escrevi cada parte do que eu faria antes de fazer, eu quis deixar registrado cada passo meu antes de finalmente concretizar, portanto, eu já passei pela fase um, eu tomei as pílulas e agora estou aqui escrevendo na fase dois, após ter me cortado e enchido a banheira.

A fase três é a pior.

Eu entrei naquela banheira, a água branca se tornou vermelha, eu me forcei para baixo, relutante, querendo o ar em meus pulmões outra vez. Era uma batalha contra mim mesmo, é impossível ir dessa forma, mas era assim que eu queria.

E tudo voltou a minha cabeça como flashbacks, do início ao fim.

Dezoito de Outubro até Treze de Dezembro.

E então tudo ficou preto.

Ao menos eu espero que tenha ficado porque é assim que eu imagino que a morte seja, um enorme escuro sem fim. Eu não me arrependo, eu não preciso pedir desculpas a ninguém e não espero que alguém me peça, eu fiz o que eu deveria fazer, eu estou bem agora, eu alcancei a paz.

Talvez eu tenha sido fraco fazendo o que fiz, mas eu estava cansado.

Eu, Augustus Souts, estava cansado.

Se você achou esse diário, esse é o fim.

Sem amor e sem remorso,

Sem luz na escuridão e agora morto,

Augustus Souts.


O Diário da Minha MorteWhere stories live. Discover now