PRIMEIRO DE NOVEMBRO: OI, AMBERLY

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   Desde aquela festa onde eu não conversei com ninguém e não peguei absolutamente ninguém, a minha vida não poderia estar mais insignificante, eu realmente tinha um problema e esse problema era eu.

Talvez eu estivesse na minha pior fase da depressão, se é que isso era uma depressão, as pessoas chamavam de drama, diziam que eu apenas ficava triste para aparecer e coisas do tipo, mas fique tranquilo, eram poucas pessoas, afinal, eu era mais invisível que um fantasma pintado com tinta transparente ou sei lá o que.

Como sempre, eu estava sentado em uma das mesas do refeitório com a Amberly do meu lado mas dessa vez mais uma pessoa estava conosco, a Davinia, uma amiga da Amberly que antes era minha amiga mas descobriu que eu era chato demais para ela levar essa amizade adiante, eu não te culpo por me deixar, Davinia, eu realmente era um pé no saco, felizmente eu tenho uma utilidade aqui no inferno, o diabo se diverte enquanto eu queimo e clamo por um perdão que eu sei que não vai vim — talvez eu esteja no céu, portanto, leia isso duas vezes, na primeira, me imagine no inferno, queimando nas piores chamas e gritando por socorro, na segunda, me imagine no céu, comendo pedaços de nuvens e fingindo ser um garoto feliz, espera um pouco, a segunda opção me parece chata demais, fique na primeira, só na primeira.

— Olá, Amberly. — disse uma terceira voz e ela era masculina, o que fez eu tirar os meus olhos do celular rapidamente para ver quem era o tal rapaz, afinal, só garotos bonitos do time de basquete se aproximava para falar com ela e eu sempre fazia uma breve avaliação antes de deixar que ela os pegasse.

Ele não era do time de basquete, ele era o garoto da festa, dos fundos da festa.

— Kevin. — diz ela com um sorriso grande em seus lábios pintados pelo batom em cor preta. — Você não falou comigo na festa e veio falar aqui no colégio? Isso é meio falso da sua parte, não é mesmo? — ela arqueia uma das sobrancelhas e o garoto de pele morena e cabelos cacheados revira os olhos.

— Eu estava chapado demais para começar um dialogo. — ele diz e então desvia o olhar para mim. — Parece que seu amigo também esteve chapado, vi ele nos cantos, na parede. — ele ri.

— Quem? O Augustus? — e então ela libera uma gargalhada alta. — O Augustus nunca colocou um cigarro nos lábios. — ela diz a verdade, eu sequer cheguei perto de algo desse tipo.

— Interessante. — Kevin responde, passando seus cabelos bagunçados para trás. — E por que ele esteve nos fundos enquanto você se beijava com várias pessoas naquela festa? Não sabe ajudar um amigo?

— Eu não gosto das pessoas. — respondo por ela e então o olhar dele que já estava sobre o meu corpo se intensifica. — As pessoas só servem para nos machucar, se você confia, elas quebram sua confiança, se você ama, elas te iludem, se você acredita, elas te mostram que você foi trouxa em fazer isso.

Amberly não responde, muito menos a Davinia.

Mas ele continua naquilo.

— É. — seus lábios formam um sorriso sem jeito. — Você tem razão, Augustus.

E esse foi o nosso primeiro contato, o contato que eu quis impedir que acontecesse, se eu soubesse que você, Kevin, foi uma pessoa que entraria na minha vida para me quebrar, eu não teria permitido, eu não teria aberto os portões, as portas e as janelas para que você invadisse cada cantinho do meu peito, revirasse os móveis, quebrasse as coisas de vidro e depois fosse embora.

Antes que você que estiver lendo isso se pergunte, a resposta é não. Eu não morri por amor, eu não me matei por uma garota, eu não me matei por um garoto, eu não cometi nenhum ato de Romeu e Julieta, eu apenas desisti de lutar porque eu sabia que essa era uma batalha que eu não podia vencer, meus demônios haviam se tornado grandes demais enquanto eu só diminuía mais e mais à cada dia.

Foi sabotagem, eu sei disso. Eu me deixei levar por palavras, por corações, por pensamentos que não deveriam existir e por lágrimas que insistiam em cair, me perdoe por ser fraco demais.

Espera um pouco, eu não lhe devo perdão, na verdade eu não devo perdão a ninguém. Eu fiz o que deveria ser feito, eu não me arrependo de ter feito, talvez, só talvez, eu esteja triste por ter deixado a minha mãe sem ninguém para cuidar dela, meu pai se foi quando as contas se tornaram maiores que o salário e a jornada dupla do trabalho dela estava sendo desgastante demais para se suportar, mas ela suportava, ela suportava por mim.

Mãe, se você estiver lendo esse diário, saiba que a culpa não foi sua, jamais será, eu te amei em todos os dias da minha vida e te amarei aqui na eternidade, eu sei que vamos nos encontrar algum dia, torço por isso, acredite, estou bem e se eu estiver queimando, não se preocupe, eu estou acostumado com a dor, logo eu estarei dançando nas chamas e mostrando quem é que dita as regras desse lugar, a dor nunca foi a minha inimiga, ela apenas me fortaleceu e me preparou para o fim, eu precisava desse fim, algumas pessoas precisam ir antes da hora marcada por Deus, eu precisei ir, eu precisei.

A partir de agora eu vou assinar toda vez que eu terminar de escrever, então aqui vai.

Sem amor e sem remorço,

Augustus Souts. 

O Diário da Minha MorteWhere stories live. Discover now