X - Sem saida

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Tentei não encarar ele durante a escola. Na verdade, tentava ficar o máximo não visível para ele, porém era quase impossível. Aonde eu sentava ele aparecia com os amigos e sentia meu coração sair pela garganta, antes de pegar minhas coisas e dar o fora do lugar. Foram as duas semanas que mais fiquei no banheiro. As funcionárias da limpeza chegaram até me indicar alguns médicos, pensando que estava com alguma doença ou sei lá.

Na segunda-feira da semana que iria supervisioná-lo estava bem mais confiante de que tudo daria certo. Ate receber uma mensagem de Mari dizendo:

"Chegou o dia do caçador se encontrar com a caça fugitiva. Me deixa a par dos acontecimentos. Beijos, Mari"

Aquilo não foi nada animador. Mari dizia que eu estava fugindo do que eu queria, mas quem disse que eu queria Ricardo? Eu apenas estava sem graça de olhar para ele depois do papelão que passei. Foi o que conclui no fim.

Cheguei para o reforço a tempo, porém Ângela me avisou que Ricardo já estava em sala. Dei um tempo antes de entrar, assim como nas semanas anteriores. Organizei uns arquivos, arrumei a mesa. Até dar a hora e eu não poder mais enrolar.

Entrei na sala de aula. Ele estava rodeado pelas crianças que faziam um circulo enquanto ele contava uma história. Ele me olhou quando entrei, porém continuou.

Estava tudo bem até ali.

— Páris se revelou para Romeu e, após uma luta, Páris caiu morto. Romeu, desesperado com a morte da amada, bebeu o veneno e caiu ao lado do túmulo de Julieta. No mesmo hora, Frei Lourenço aproximou — para libertar Julieta do seu túmulo e do seu sono. Julieta acordou e, encontrando Romeu morto, decidiu morrer também. Como Romeu havia bebido todo o veneno, ela pegou no faca e cravou — no peito. Quando os guardas chegaram, depararam com todo o horror e logo correram a chamar os Capuletos, os Montéquios e o Príncipe Escalo, que se souberam de toda a verdade pelas revelações de Frei Lourenço e pela carta de Romeu. As famílias, chocadas pela tragédia e pelo ódio que a originou, resolveram fazer as pazes ali mesmo. Para a história ficou um amor intenso e trágico que nem a morte conseguiu separar.

Todas as crianças olhavam para ele, fascinadas com a história.

— E esse é um clássico de William Shakespeare — contou em seguida — tido como maior escritor do idioma inglês e o mais fluente dramaturgo do mundo. Alguma dúvida sobre a peça?

Muitas crianças levantaram a mão.

Ele escolheu um garoto ruivo e cheio de sardas no rosto.

— Eles tiveram que morrer para as famílias ficarem de bem?

— Infelizmente sim, Davi. E é interessante isso, vocês conseguem ver que, por mais que a família deles fossem contra o romance dos dois, no fim o ódio foi vencido pelo amor?

Nesta hora ele olhou para mim, me fazendo engolir seco e voltou atenção para uma garotinha que estava com a mão levantada.

— Tio e se eles não tivessem morrido?

— Podemos imaginar que se o plano de Julieta desse certo, as famílias ainda assim não teria liberado o romance deles e provavelmente teriam fugido.

— E se um deles resolvesse não morrer um pelo outro? — questionou novamente Davi.

— Se Romeu não fosse o cara que Julieta estava esperando... — ele deu uma pausa e se voltou pra mim — vou deixar que a tia Pietra responda essa para você.

Eu o encarei sem entender, que permanecia com o olhar firme sobre mim, aguardando também a resposta. Olhei para o garotinho e relembrando sua pergunta.

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