"Feridas abertas"

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— Vamos na igreja amanhã?

Isabela estava na porta do banheiro enquanto Pedro escovava seus dentes. Moravam em um pequeno quarto em um hotel, ela havia saído de casa alguns dias antes de encontrar Pedro na porta da igreja.

— Vamos? — ela insistia.

— Pode ir, vou ficar aqui. — dizia cuspindo uma espuma grande em seguida.

— Pedro, por favor?

— Vou ficar em casa. — repetiu, indo até a varanda do quarto.

Ela pensou insistir por mais uma vez, relutou para não chorar e partiu pegando uma bolsa pequena e sua Bíblia.

Isabela orava por eles no grupo de jovens e pedia por correntes de oração a toda igreja, enquanto que Pedro saia para beber.

Um dia, começara a não somente beber, mas arranjar brigas com muita facilidade. Apagava durante alguns minutos e acordava deitado na cama com ferimentos no rosto.

Isabela sofria aos poucos vendo o namorado se afundar sozinho, queria não ter que enfrentar isso, mas de alguma forma ela sentia que devia permanecer ao lado dele.

— Tenho medo de qualquer dia você chegar com a polícia aqui ou alguém da funerária me entregar você. Morto. — Isabela dizia, limpando os cortes com água e uma lencinhos.

— Eu virei o monstro que eu odiei na minha infância.

— Você nunca levantou a mão pra mim, então você não é aquele monstro que presenciou na sua infância...

— Mas eu bebo igual ele. Isso já me faz um monstro.

— Quem te traz todas as madrugadas pra casa? — ela mudava de assunto, pegando outro lenço e limpando o queixo ferido.

— Eu me trago sozinho.

— Eu sempre vejo um homem subindo com você nos ombros, ele toca a campainha e espera eu descer, e só depois vai embora.

— Um homem? — ele franziu a testa, se ajeitando na cama para sentar — Que homem?

— Não dá pra ver, ele fica usando um capuz do casaco...

— Capuz? Casaco?

— Sim, e ele não rouba nada de você, porque uma vez você saiu de casa com o bolso cheio de dinheiro e voltou com a mesma quantidade, mas faltando trinta reais, que deve ser das suas bebidas nojentas!

— Sim, uma rodada da trinta reais. Mas agora estou confuso e... um tanto quanto curioso.

— Devia procurar saber quem é mesmo e agradecer. — dizia suavemente, fechando a caixinha de primeiros socorros no armário e arrumando a poltrona para se sentar. — suponho que ele também te ajude nas brigas, do jeito que você chega em casa, todo quebrado, parece sempre que falta um fio para que pudesse estar morto.

Ele deu de ombros e ficou a pensar quem poderia estar ajudando ele nas brigas e o trazendo de volta para casa, em segurança.

— Amanhã você pode ir a igreja comigo? — dizia, cortando os pensamentos de Pedro.

— Pode ser.

Ela sorriu largamente e foi até a cômoda a esquerda procurar a Bíblia.

— Você disse que sua mãe lia a Bíblia pra você enquanto estava deitado, podemos fazer isso? — ela fizera uma carinha fofa segurando a Bíblia com as duas mãos. Pedro sorriu, querendo chorar e sacudiu a cabeça afirmativamente. — Tudo bem — ela continuava, pulando na cama e deitando de bruços olhando para ele com a Bíblia ainda nas mãos. — diz um livro.

— Um livro da Bíblia?

— É. O primeiro que você pensar. —ela folheava o livro enquanto ele pensava.

— Acho que... — pigarreou — Livro de Atos.

— Tá, Atos dos Apóstolos... — procurara a localização — agora fala dois números qualquer.

— Três e... Dezenove ? — pediu, em duvida se tinha o número no livro.

— Tá bom, agora eu falo. Atos dos apóstolos capítulo três, versículos dezenove e.... — fechara os olhos e ditou o numero — vinte.

— Vai ler assim sortido? — ele sorriu.

— Não é sortido, eu orei antes de pedir a Deus essa passagem e eu sei que trará uma mensagem boa pra você.

Ele suspirou duvidoso, queria uma palavra de Deus, mas temia a palavra. Isabela achou o texto e a parte numerada e iniciou a leitura.

Arrependam-se, pois, e voltem-se para Deus, para que os seus pecados sejam cancelados,
para que venham tempos de descanso da parte do Senhor, e ele mande o Cristo, o qual lhes foi designado, Jesus.

Embora Pedro quisera duvidar das palavras de Deus, saber que foi quem ele pediu o texto e a numeração e em seguida a finalização feita por Isabela, o fez reacender uma chama que um dia havia se apagado.

Ele queria voltar a queimar, só não sabia como, e suas lágrimas eram a resposta como grito de socorro pelos braços de Deus.

Isabela o abraçou e em prantos ambos já estavam.

— Vai me dizer que isso não foi forte? — dizia a jovem, chorando e o olhando profundamente. — Vai me dizer que não crê que Deus é quem quis dizer isso a você, amor. Ele te quer de volta...

— Eu não sou bom pra Ele, Isa.

— Ninguém é, por isso que Deus nos quer, Ele capacita quem Ele bem quer... Dá forças ao aflito e acode um coração ferido. Meu amor, Deus te protegeu todos esses anos... Se sua mãe não tivesse a vontade de mandar você morar com sua tia, você quem estaria morto. Sua mãe te amou tanto que preferiu se entregar sozinha por amor à sua vida...

— Ela sempre dizia... dizia que daria a vida por mim. E ela deu...

— Ela te salvou de uma morte rápida ainda tão novo. Imagine o que seria de você? Dela? Imagine ela se tivesse perdido você?

— Ela morreria...

— Seria em vão, e não deixe ficar em vão a morte dela. Siga o propósito de Deus.

— Mas eu nem sei qual é.

— Se embebedar e voltar pra casa sem um pedaço do rosto, que não seria.

Ele bufou.

— Pergunte para Deus...

— Como?

— Fechando os olhos e pensando com todo o seu interior, sua alma e coração, pensando nEle e imaginando estar perto dEle. E então, quando conseguir ver que Ele está lá, você pede. Pede pra Deus e Ele atenderá sua oração sincera.

Isabela sentou-se na cama e selou os lábios de Pedro com um beijo em seguida foi até o banheiro com a intenção de deixa-lo sozinho no quarto.

Mas somente ele havia orado quando o dia amanheceu e eles foram para a igreja.

Reencontrando o Verdadeiro Amor Where stories live. Discover now