Dreams

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07 de Dezembro de 2017.

-Você parece diferente.

Ele se sentou ao meu lado no sofá e virou o olhar na direção do televisor roubando a pipoca dentro de uma vasilha repousada no meu colo.
Todos poderiam dizer que éramos quase um cópia um do outro, ele seria a minha versão masculina, pele morena, cabelos castanhos escuros e olhos da mesma cor.
O sangue também era compartilhado, menos a personalidade, aquela eu sabia, ele havia puxado a parte boa da nossa família.

-Continuo a mesma.

Murmurei concentada na grande geometria retangular que repassava uma reprise de um jogo ao qual havia perdido.

-Eu senti sua falta, quando foi embora, sabia que não voltaria a mesma.

-E mesmo assim apoiou a decisão deles.

Saiu como uma acusação e ele mesmo não tendo culpa, não poderia ter me impedido de ir.

Ninguém poderia ter impedido.

-Pensei que fosse bom para você.

-De certa forma.

Localizei o controle perdido e desliguei o aparelho, me sentia esgotada da viagem de mais de quinhentos quilômetros. Esfreguei os olhos como se esperasse que em um passe de mágicas aquilo tudo fosse um sonho, não era, eu havia suportado tudo calada e longe as coisas pareciam fazer menos sentido. 

Estava aliviada.

Tentaria esconder da minha consciência as memórias ruins daquela fase difícil da minha vida, enganaria a mim mesma as transformando em pesadelos distantes. Mas o que poderia fazer se até mesmo um ponto de ônibus me lembrava a cidade enquanto todos ao meu redor pareciam questionar-se meu estado mental?

Eu não estava louca.

Aquilo havia sido uma experiência apenas minha e ninguém poderia me julgar.

A porta da sala foi aberta por uma senhora bastante conhecida e mesmo parecendo familiar a sensação não pertencia mais ao meu corpo, era como se tudo até aquele momento fosse a vida de outra pessoa e lá estava eu com meus sentimentos revoltos como um parasita endossimbiótico.

Havia me tornado a hospedeira do meu próprio corpo.

-Já está indo dormir, Lisa?

Suas rugas se contraíram em um meio sorriso e me permitir relaxar os ombros, cansada da sensação de medo.

-Sim.

Murmurei junto de um aceno leve com a cabeça enquanto me despedia de ambos com um "Boa noite" seguindo diretamente para o quarto de paredes decorada com a logo do Golden State Warriors, ele ainda mantinha a mesma paixão pelo time. Recordo ainda quando seu sonho de se tornar um jogador da liga fora interrompido por uma lesão no joelho direito e mesmo assim sofreu calado, aquilo era uma mania de família irritante.

Deitei do lado direito da cama, do mesmo jeito de  como éramos crianças, quando em seus pesadelos eu me oferecia para velar seu sono e consequentemente compartilhar da cama, a ironia é que havíamos crescido e agora a pessoa cercada por sonhos ruins era justamente eu.

-Espero que não roube minha coberta

Isaac apareceu ao meu lado e se deitou completando as memórias da nossa infância quando seus dedos frios acariciavam meu cabelo espalhado pelo travesseiro.

Ficamos ambos em silêncio enquanto ignorava sua provocação ao fechar os olhos e apagar completamente.

Nos meus sonhos o azul ainda me chamava e mesmo que a sua calmaria me tentasse, o medo estava lá para me lembrar de que ainda faltava batalhas para conseguir o alcançar.

  "Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você o chamará de destino."

Carl Gustav Jung.





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