15 de agosto de 2016.
-Vou mudar de cidade no ano que vem.
Disse calma enquanto estávamos sentadas no banco da praça em frente a uma lanchonete vazia, as nuvens de fim de tarde faziam um bom contraste com as árvores que escondiam a fachada do colégio.
-Eu já imaginava.
Observei seus traços tentando de alguma forma encontrar tristeza neles, nada.
Nem mesmo Carolina ao meu lado esquerdo parecia se incomodar com a notícia, todas nós sabíamos.
-Me prometa.
-O quê?
Já sabia a resposta, mas queria ouvir de você, eu precisava sentir que alguém se importava comigo, era apenas nós três contra o mundo e daqui cinco meses seria apenas eu, sozinha.
-Me prometa que viverá por mim. Quero que seja feliz.
-Eu não sei ser feliz.
Ela me levava a prometer algo que eu não sabia sentir, talvez alguma vez na vida, posso ter sido feliz. Mas agora, parecia tão difícil.
-Olhe para si, você só será feliz quando encontrar um lugar para chamar de seu.
Ela estava certa mais uma vez, era engraçado a forma como formavámos um trio estranho, totalmente opostos e a cada palavra dela meus ombros se encolhiam por dentro daquela farda, aquela roupa que não me pertencia, o brasão do colégio que não me representava e os cabelos presos de um jeito que eu não usava, eu gostava deles soltos para tocar em suas pontas e me lembrar do que me trouxe até aqui, era minha maneira de resgatar meu eu perdido.
-Eu sei.
Ambas me conheciam bem o suficiente para saberem a hora de parar e aquela foi nossa deixa, cada uma seguiu para sua casa e continuei sentada no banco da praça criando coragem para voltar ao inferno que chamavam de casa, mais um lugar que não me pertencia.
Peguei a bolsa do chão quando avistei o carro parando a minha frente e ajeitei aquele uniforme desconhecido enquanto caminhava para a forca.
-Seu uniforme está amassado.
-Sim.
-Por que você não é como a sua irmã?
-Talvez porque eu não seja ela?
Começaria tudo novamente, ele não era meu pai e tentava de todas as formas se tornar um, eu estava ali obrigada.
Suas sessões de lamúrias não terminariam tão cedo e o início era me comparar a alguém morta.
Lia estava morta para mim.
-Tão mal educada, sua mãe te criou errado. Você não conversa, não demonstra emoção e quando pedimos para ser mais receptiva é assim que se comporta.
Olhei para a janela do carro e observei a escassa vegetação verde da cidade metropolitana, ruas estreitas e aglomerações de pessoas em frente centros comerciais.
Não iria responder aquela série de definições sobre a minha personalidade e ignorei o fato dele mencionar minha mãe nos seus sermões, ela não tinha nenhuma parcela de culpa se o meu caráter era ruim ou não.
O ser humano escolhe quem quer ser.
O cinto de segurança destravado e seguidamente a porta aberta era só mais uma sessão do purgatório.
Dante estava certo, realmente existia um na terra.
Joguei a mochila e meu corpo em cima da cama, totalmente exausta, psicologicamente. Aquilo não devia cansar tanto quando já se estava acostumada a discutir, mas a cada dia meu cérebro pedia por mais descanso.
Soltei os fios castanhos escuros daquele penteado mal feito e deixei que eles caíssem como cascatas pelo meu rosto e costas. Toquei com cuidado as pontas desgastadas e me permite pensar como fui deixar chegar a esse ponto e como todas as vezes minha mente jogava contra minha face verdades vergonhosas.
Ela sabia, todos sabiam e eu era a única que fingia não reconhecer, a minha ponte para a felicidade parecia difícil de atravessar quando significava encarar seus erros.
Somente queria dormir e não acordar mais, ter sonhos com cores azuis e algo que pudesse ser meu.
A realidade é que eu não poderia ser mais covarde e admitir aquilo que não era mais um pensamento.
Deixei de ser feliz quando perdi o apoio de alguém importante e entreguei o comando da minha vida para outras pessoas, escolhas que não eram minhas.
"A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz."
Sigmund Freud.
