Maybe

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25 de Julho de 2013.

-Esses doces estão muito bons, você quer?

-Não, obrigada.

E lá estava mais uma pessoa na minha vida insistindo por algo que eu não queria fazer.

-O que você está fazendo?

-Nada demais.

-Tudo bem.

Talvez eu quisesse responder algo mais detalhado, aquilo que estava a me atormentar à dias.
Aquele silêncio poderia ser útil.

-Eu quero mudar de Religião.

Soltei rápido, não tinha medo da sua reação, nos conhecíamos desde quando nasci e no mundo, depois da minha mãe, ela era a pessoa que eu mais confiava.

-Você tem certeza? Por que isso agora?

-Eu preciso de mais, outros tipos de conhecimento. Não faço parte daquilo, não me encaixo nos padrões.

Sua testa enrugada olhava para todos os cantos da sala, menos para o meu rosto. Mexia nos fios de cabelo solto esparramado no sofá de forma preocupada. Isso não era um bom sinal.

-Você não pode fazer isso, é pecado.

E lá estava eu a repetir seus mesmos gestos, o copo em cima da mesa parecia mais interessante do que seus olhos acusatórios.

-Não importa quantas vezes me diga que é pecado e que apenas a sua igreja salva, eu não vou mudar de ideia.

-Sua mãe sabe disso?

-Ela vai entender.

Ela de fato entendeu, não me julgou.
E não foi aquela vez que me fez romper nossa amizade de anos, foi algo pior, a sua mente não estava aberta, nunca esteve.
Para ela eu continuo sendo a ovelha negra que quebrou os princípios da família e foi embora sem se importar com quem deixava para trás.
E se caso seus olhos fossem me analisar novamente, eu não me calaria para seus preconceitos.
Eu fui e ainda sou a ovelha negra que você durante tanto tempo negou abrigo.

-Ela perguntou por você.

Encarei o teto branco do quarto deitada com o celular em mãos. Deveria ficar feliz? Talvez.
Lembro de quando naquele mesmo dia, na tarde chuvosa de Julho, ela me renegou como parte importante da sua vida, apenas por não aceitar a minha forma de felicidade.
E ela destruiu parte dela.

-Que bom.

Minha mãe odiava respostas vagas, entendia, sendo sua cópia eu também não gostava e mesmo assim, fazia.
Era a minha maneira de lidar com os problemas.
Desde sempre foi assim, eu não explodia, não brigava e raramente chorava, o que não era comum para crianças de 7 anos.
Ela não se enganava com a minha impassibilidade e isso foi o exato ponto que me levava a amar, como uma parte de mim.
Lia sabia que por detrás daquele sorriso eu estava desmoronando, meus pensamentos me faziam de refém a cada dia e a noite, eles pareciam me atropelar.
Talvez eu fosse feliz se tivesse seu apoio.

-Sabe que não poderão continuar assim, não se nega uma irmã!

Tão fácil falar.

Suspirei derrotada, o que já era previsível vindo de mais um fracasso.

-Diga isso a ela. Assim como Judas fez a Jesus, renegada por duas vezes.

Soltei uma risada amarga quando ouvi a ligação encerrada, a verdade doía, não é mesmo?

Joguei o telemóvel para bem longe como se queimasse e levantei para me olhar no espelho.
É, não está tão mal quanto pensava.
Toquei meus fios de cabelo e cheguei a conclusão de que não estava errada, Lia poderia me julgar quantas vezes fosse necessária para seu ego, eu ainda sabia que a escolha de ser melhor era minha, não dela.

"A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade."

Immanuel Kant.

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