Stephen e a avó compartilhavam o romance intricado em seu ser. Eram almas perdidas nesse tempo e que desejavam regressar ao passado que lhes correspondiam. Essa mulher lhe despertou para o mundo mágico das letras. O garoto sentava ao chão, próximo aos seus pés, fechando os olhos ao som daquela voz macia, suave, baixa e contida da matriarca que preenchia seus sonhos como se os realizassem. O primeiro livro que ganhou assim que aprendeu a ler veio de suas mãos já enrugadas e marcadas pela tinta da caneta. A Inquilina de Wildfell Hall de Anne Brontë esse era o livro que mudou a vida de Stephen para sempre.

Herdou da avó o seu bem mais precioso, a máquina de escrever remington, uma peça digna de museu. Foi nela que Stephen começou a rabiscar e transcrever os seus sonhos. Seu coração apertava toda vez que lembrava que aquela senhora não estava lá para lhe apoiar e lhe prestigiar quando o seu romance saiu. Certamente ela teria sido a sua primeira leitora, e também a sua mais verdadeira crítica. Ele tinha muita segurança em seus julgamentos, por mais que ela lhe amasse jamais lhe enganaria sobre o que achou de sua obra. Mas ela o deixou aos treze anos e nunca soube se o neto seguiu os seus passos no ramo literário. A avó de Stephen era uma autora publicada e muito bem-aceita. Não. O seu pseudônimo masculino era de um autor aceito e não a mulher por trás daquele nome.

O problema de Stephen não estava em um nome, e sim na sua resistência em não se render aos apelos comerciais que buscam por sexo e obras vazias de significados. As de Stephen eram complicadas e intricadas demais para o que o mercado literário estava vendendo no momento, e sendo assim, amargou o seu ostracismo. Guardou a máquina em cima do armário e nunca mais escreveu uma página que fosse de outro romance.

Desistiu. Tornou-se professor.

A voz estridente de sua anfitriã lhe tirou do devaneio sobre o seu passado. A senhora estendeu uma toalha para logo em seguida o deixar sozinho novamente naquela sala que lhe dava enjoos.

— Manoela... Onde se meteu? — falou bem baixo para si mesmo, enquanto passava a toalha sobre os seus cabelos úmidos.

— Não se preocupe, ela já deve estar chegando! — a senhora respondeu de dentro da cozinha deixando Stephen atônito. Como é que podia ter lhe escutado? Stephen nada sabia das artimanhas e dos talentos de Sra. Smith, essa mulher poderia escutar até uma formiga dentro da parede. Se existia uma coisa que a velhice não tinha lhe levado, era a audição.

Afastou esses pensamentos da cabeça e voltou a sua atenção para a garrafa de vinho ao seu lado no sofá. Ela já deveria ter sido esvaziada nesse exato momento se a garota não tivesse saído para fazer o que quer que seja. A irritação já tomava conta do seu interior, e quando decidiu levantar e partir, a velha regressava com duas xícaras em sua mão. Lhe dando um olhar de reprovação, a senhora depositou a porcelana em seus dedos e sentou no sofá diante do seu.

Sem alternativa, até porque a educação que teve não lhe permitiria o contrário, sentou-se novamente na ponta do sofá e seguiu o mesmo gesto que ela, bebendo do líquido quente depositado em suas mãos.

— Aquela outra vez em que esteve aqui não consegui te ver direito. Manoela tem razão... É muito bonito, professor Weber.

— Pode me chamar de Stephen. — respondeu por educação e achando algo inconsistente naquele comentário. A outra vez que esteve por lá não tinha sido apresentado a essa senhora.

— Sendo assim, pode me chamar de Annie. — A Sra. Smith lhe lançou um sorriso estranho e tornou a beber do chá.

— Bonito nome.

— Pois não é? — a senhora se animou com aquele comentário e o encarou pela primeira vez com doçura.

— Talvez eu devesse voltar em outra ocasião. — depositou a xícara na mesa de centro, no espaço vazio que encontrou em meio aqueles bibelôs todos.

O Professor [Completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora