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Bem, as coisas dão certo e dão errado,
E se não rolar, eu tentei.
(Stayin' Alive - Bee Gees)
Heaven

O Peter era o único na família que sabia do meu namorado, e confiei nele para nunca contar pra ninguém. Ele é a melhor pessoa com segredos, mas ainda assim não perde a chance de provocar.

— Como estão as coisas no Legion, Peter? — meu pai perguntou com a maior naturalidade sobre o maior adversário, em um jantar um mês depois do início das aulas.

— Bem. Um pouco de trabalho extra, nada demais, até gosto de ocupar meu tempo. Você também ocupa o seu, né Heaven? — sorriu como o anjinho que nunca foi.

— Sério, filha? Qual atividade você está fazendo?

— Clube de ciências. Você sabia que o táquion tem a maior velocidade conhecida no universo? Alguns cientistas acreditam que eles voltam para o passado também, já que são mais rápidos que a luz.

— Interessante. Isso significa que você pode construir uma máquina do tempo?

— Não, eu não posso e nem sei como.

— Fala daquele trabalho das glândulas salivares que você anda vendo também. — meu irmão continuou.

Chutei a canela dele por baixo da mesa, e ele fez careta.

— São só coisas de ciências. O Zack disse que conseguiu ser o quarterback, como está o resto do time?

Meu pai foi cauteloso ao liberar as informações, já que o adversário estava à mesa.

— Ouvi que há uma garota no Legion, é verdade? — ele perguntou ao meu irmão.

— É. Ela é boa, gostei do jeito que joga.

— Ela gostou dos antecedentes do time?

Pronto. O garfo do Peter caiu com um estrondo no prato, e ele empurrou a cadeira pra trás, beijou minha bochecha em um pedido silencioso de desculpas e foi pro quarto. Olho pro meu pai irritada.

— Depois você diz que eu devo respeitar os outros.

— Ele é fichado na polícia.

— O Zack também é. — acusei meu único amigo, tamanho meu nível de irritação.

— São coisas diferentes...

— É, bem diferentes. A história do Zack você sabe completa, a do Peter? Nem o começo.

Sim, eu sei o que vocês estão pensando. Por que você confia no Peter? Ele é um criminoso, e afins, mas eu sei que não é. Eu sei o que ele faz, e o que aguenta para continuar fazendo. Depois de jantar, subi para o quarto dele e o abracei. Ele se virou para mim, chorando. Como este evento é mais raro que a queda de um meteoro na Terra, deixei ele molhar minha blusa com as lágrimas.

— Eu só queria que todo mundo pudesse saber e parassem de me julgar por eu fazer meu trabalho.

— Eu sei.

— E que minha filha não me odiasse.

— Ela não odeia.

— E que eu pudesse só jogar futebol o dia inteiro. Odeio a escola, Inferno. Odeio as pessoas que estão lá, porque elas julgam sem dó. Me promete que você vai dizer para alguém se um dia resolverem te julgar. Promete, já que, de todas as pessoas no mundo, você é uma das únicas que não tem nada a ser julgado.

— Eu namoro escondido.

— Fora isso, que espero que você esteja resolvendo logo. Esconder as coisas não sai bem, como você pode perceber. — apontou para si mesmo — A polícia não me paga o suficiente para cobrir os danos psicológicos.

— Por que você trabalha para eles então?

Ele franziu a testa e me olhou como se fosse óbvio.

— Para a Gwen ter uma poupança da faculdade. A Vivian desconhece a palavra "economizar", e não quero que ela tenha os problemas que tive caso a mãe volte a abusar das bebidas e drogas. Ela fez muita merda, sabe? Eu não quero que a minha filha siga o mesmo caminho.

Não parecia que a tia do Zack estava indo por esse caminho de novo, mas fiquei quieta. Meu namorado me ligou quando o Peter estava quase dormindo no meu colo. Tentei ser discreta, mas o homem na minha cama apontou o celular, fez um coração se partindo com as mãos e um sinal de cortar o pescoço.

— Meu irmão te mandou um abraço, Greg. — provoquei, e ganhei um dedo do meio antes do mesmo sair do quarto.

— Acho difícil, esse cara tem jeito de odiar o mundo todo. A Califórnia não é o mesmo paraíso sem você aqui.

— No recesso de outono estarei aí, se eu conseguir notas boas em todas as matérias. E se meu médico liberar.

— Eu ainda não entendo por que você precisa de ver seu médico antes de me ver, é ridículo. — ora, pra você não me ter morta do seu lado enquanto dormimos? — De qualquer forma, venha me ver logo. Preciso de alguém para me ajudar com a faculdade.

Conversamos só até meu alarme da hora de dormir disparar. Meu pai me levou à escola no dia seguinte cedo, e me pediu opiniões sobre alguns jogadores.

— Eu não assisti muito desse tal Luca, mas não sei se gosto dele. Ele parece não ter limites, e isto é no mau sentido. — falei.

— Sim, também tive essa impressão, mas não posso afastá-lo sem que a conduta mostre que não está apto para seguir no esporte. E seu amigo, Zack, vai ser a estrela perfeita para o time. A liga vai ter que se preparar para quando ele estiver disputando um jogo profissional. Ah, gostei bastante do Williams também, você viu o garoto?

Sim, eu definitivamente tinha visto ontem. E hoje novamente, na aula de literatura no primeiro horário. A cara emburrada, como se ele tivesse perdido o coração, e não alguém. Ele sentou na minha frente, por pedido do professor, e não moveu um milímetro enquanto as eras da literatura eram repassadas. De repente, ele virou para mim e disse:

— Você pode, por favor, parar de ficar me olhando?

Eu podia, mas não fiz. Como ele consegue manter o cabelo tão hidratado? Seria útil pra mim. Irritado com meu olhar, ele enfiou a cabeça debaixo dos braços na mesa. Fazendo o trabalho que o professor mandou, sujei um pouco da roupa dele de cola — o capuz, que ocupava um pedaço do meu espaço, e peguei um lenço umedecido pra limpar.

— Não encosta em mim. — resmungou.

— Eu te sujei sem querer...

— Não encosta. Eu limpo depois.

Com certeza se esse cara não perdeu o coração, perdeu a parte de empatia do cérebro. O Zack acertou uma bolinha na cabeça dele, com aquela pontaria perfeita de quarterback, e o garoto o olhou como se quisesse o matar.

— Ei Will, me empresta sua régua. — meu amigo pediu sorrindo.

Ele falou alguma coisa com o Zack que não consegui compreender, e meu amigo riu, respondendo no mesmo tom. Vi os lábios do outro subindo um pouco, e me surpreendi, porque ele realmente parece a pessoa mais mal-humorada do estado do Nebraska. Mas bastou ver que eu estava olhando e o sorriso morreu.

O problema sou eu, então? Mas o que eu fiz pra ele? Tentei puxar da memória qualquer coisa que eu possa ter dito pra ele não gostar de mim, e obtive zero motivos. Ignorei ele o resto do dia, como ele fez comigo. Tenho certeza que podemos sobreviver ao ensino médio se ignorarmos um ao outro todos os dias.

O único problema é que não se pode confiar em estranhos. Principalmente quando o estranho em questão é Williams Bradbury, o cara que, mesmo sem querer, me mostrou que o inferno pode chegar em qualquer lugar. Até mesmo no céu.

Amor Falso - Série Endzone - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora