6 - O bastão, a menina e o guarda-roupa

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Ainda sentindo os efeitos da queda e susto, Anabel engatinhou lentamente até a cama e sentou com alguma dificuldade, enquanto massageava as costas e a cabeça. A escalada não foi uma boa ideia e agora qualquer outra tentativa de exploração tinha sido cancelada. Sem colocar gelo, aquilo ia virar uma dor mais forte depois e ela já imaginava como iria ficar insuportável. Teles que não visse! Ana resolveu esconder duas embalagens com canetas coloridas e o tal bastão sob o colchão, junto com suas historias em quadrinhos caseiras e seus moldes de pintura, os quais as outras meninas nem desconfiavam que ali estivessem. Não se podia levantar suspeitas. Historias em quadrinhos tornaram-se seu grande plano de riqueza, e Ana já havia conseguido vender umas cinco. Onde ela vendia? Na feira, ora. Em seus raríssimos e rápidos passeios solitários para comprar algo que "acabara de acabar" na despensa. Suas pequenas revistas caseiras eram mais baratas que qualquer outra numa banca qualquer de Belém. Com aquele dinheiro já havia conseguido mais sacos de pipoca do que a Teles lhe dera durante toda a vida, e o melhor: não os dividia com ninguém! Afinal, esconder e não dividir já era um bom passo para começar a ficar rica. A pequena gênia sabia que com revistas coloridas seria muito mais fácil deixar seus desenhos realistas e atraentes para os garotos mais velhos, ávidos por histórias de terror aonde, no final, os personagens sempre se davam mal. Era sua característica principal, era mórbido, mas Ana tinha que agradar seu "público". Mas agora ela só queria sair. Apesar de sua cabeça já começar a latejar, a pequena decidiu também não tentar dormir novamente e andou mais uma vez até a porta, numa última tentativa de chamar a atenção de alguém, quando, sem explicação, alguma o guarda roupa tremeu fortemente. Então todas as coisas que estavam dentro dele caíram uma atrás da outra, aos poucos.

Assustada, a pequena esfregou os olhos para ter certeza de que não se tratava de outro sonho. O móvel chacoalhou para frente e para trás, por fim tombando de uma vez para frente, enquanto ela, a poucos metros de distância, observava sem entender absolutamente nada. Ficaram todos aqueles objetos espalhados ali no chão: papéis, roupas, pequenos quadros, lápis, envoltos numa nuvem de poeira o que confirmava que o guarda roupa era bom e resistente, pois se fosse o outro teria se desmontado no primeiro solavanco. Em meio à bagunça, um grande vulto negro apareceu revelando ser o causador de tamanho desastre:

- Pensei que fosse mais alta! – disse o desconhecido mais desconhecido e obscuro que já havia aparecido naquela casa. – Bom, prazer, meu nome é Alex!

A garota não enxergou mais nada. Apenas fez algo que nunca havia feito na vida: desmaiar de susto. Não instantaneamente, pois antes viu coisas como seres alados de aparência celestial, vespas rosas enormes que passavam voando em sua frente, de forma rasante e, ao longe, elefantes brancos com vários pares de asas. Era como estar dentro de um furacão, enquanto as imagens se formavam e se desfaziam rapidamente, ao redor dos dois. Caravelas gigantescas que sumiam e reapareciam confundiam-se com a névoa avermelhada de um estranho mar de mesma cor. Em meio à névoa hora vermelha, hora esverdeada, Ana não conseguia ver seu acompanhante. Sentia a mão forte segurando seu pulso enquanto vultos negros, brancos e azuis passavam em sua frente. Aqueles seres estavam realmente flutuando no ar! Havia até pessoas gritando, homens com roupas que ela só tinha visto pela tevê, típicas dos árabes ou seja lá o que era aquilo. Anabel percebeu que talvez tivesse chegado ao lugar que mais temia, pois, provavelmente havia sido uma menina má. Ela começou a tentar se redimir de todos os seus atos insanos, suas mentiras e principalmente de ter atacado Judite. Era isso! Ela estava indo diretamente para o limbo, o tártaro, o fundo do poço, enfim um lugar com muitos nomes e apenas uma função, o lugar reservado para garotas más e gulosas! Era o fim, e sua condenação provavelmente se deu depois daquele nefasto ato de brutalidade contra Judite, uma menina tão... Seria Judite uma menina boa? Haveriam as leis da bondade e maldade infantis se invertido?

Entre delírios, em dois segundos um vento gélido arrepiou a nuca e ela percebeu que seus pés haviam tocado o chão. Uma imagem começou a se formar ao seu redor. Mas não mais era a do quarto...                                    

O Sagitário De SamechOnde as histórias ganham vida. Descobre agora