Os Novos Pecados Capitais: um breve ensaio

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Foi Dante Alighieri quem colocou os Sete Pecados Capitais como estágios do Purgatório, uma alta montanha localizada em uma ilha ao sul do planeta que subia em direção ao Paraíso. Após atravessar o inferno, onde nosso protagonista encontra vários pecados organizados em diferentes círculos e fossos, ele se depara com os vários níveis do Purgatório. É claro que existem pecados capitais a serem punidos no inferno. Quem peca por luxúria, gula, avareza ou ira também pode ir ao inferno. Mas além deles, os violentos, os hereges, os fraudadores (enganadores e mentirosos) e os traidores - considerado o pior dos pecados - também estão lá. Já no purgatório, Dante passa pelos níveis relacionados aos pecados capitais propriamente ditos, organizados em três grupos: os pecados da perversão do amor (o Orgulho e a Inveja), os pecados da falta de amor (a Ira e a Preguiça, às vezes chamada de Acédia) e os pecados do excesso de amor (a Avareza, a Gula e a Luxúria).

Mas, esses não são os únicos "sete pecados capitais". Durante a história, a Igreja Católica ditou o que seriam esses e outros pecados. Segundo a doutrina, os Pecados Capitais seriam os "pais" de todos os outros pecados, relacionados aos vícios da antiguidade - que se opunham justamente às virtudes; os Pecados Veniais seriam os pecados "comuns" que nem precisariam do sacramento da confissão; e os Pecados Mortais que mereceriam condenação por ferirem diretamente aos mandamentos divinos. Talvez o pecado mortal mais famoso é o Suicídio, pecado contra o dom da vida e ao primeiro mandamento de Deus, o de "crescer e multiplicar". Por isso, durante muito tempo, os suicidas não podiam ser enterrados em cemitérios religiosos ou receber nenhum sacramento após sua morte - como a extrema unção.

A lista que conhecemos dos Sete Pecados Capitais foi proposta em 590 EC pelo Papa Gregório, e foi defendida por São Tomás em sua Suma Teológica. Porém, antes dela, existiam outras listas com outros pecados e vícios - listas, inclusive que antecediam a própria Igreja Católica. Nessas listas, existiam vícios como prostituição, tristeza, orgulho, melancolia, desespero, mentira, assassinato de inocentes, desencorajamento e espalhar discordia entre irmãos. Até mesmo no século XXI, o Papa Bento XVI proclamou outros sete pecados capitais "modernos": Pressa, Manipulação genética, Interferir no Meio Ambiente, Causar pobreza, Ser muito rico, Usar drogas e Causar injustiça social.

Mas esses não são os "novos pecados capitais". E, na verdade, esses novos pecados nem são tão novos assim, pois existem desde que o ser humano consegue se lembrar. Mas durante muito tempo, esses vícios eram atribuídos não à fraqueza do homem, mas a ação de deuses e demônios. Na antiguidade, caso um deus não gostasse de você, ele não mandava apenas pestes e pragas mas também loucuras e assombrações. Dionísio foi descrito por enviar loucura e sintomas de embriaguez sem o uso do vinho a vários que os ofenderam, por exemplo. Além disso, muitos vícios eram vividos amplamente pelos deuses, como a Ira e a Luxúria: quem conhece os mitos de Zeus sabe que ele se apaixonava muito facilmente e buscava sexo com qualquer um que se mexesse, nem que para isso ele precisasse se transformar em chuva! Afrodite, não raro, causava paixões irremediáveis em suas vítimas. E foi a deusa Hera quem causou Narciso a apaixonar-se por si mesmo, não o seu próprio "narcisismo". Não é à toa que os Sete Pecados Capitais eram sempre relacionados a Sete demônios e, dependendo do caso, um grande pecador exigia mais do que uma confissão: pedia um exorcismo.

E das práticas do exorcismo nasce a prática médica da hipnose. No século XVIII, o fisiologista alemão Franz Anton Mesmer desenvolve a hipótese e a prática do "Magnetismo Animal" ou o trabalho magnético da alma, para, através de imposição das mãos do profissional magnetizador e de palavras de indução, poder remover eventuais sofrimentos que estivessem ligados magneticamente à alma do paciente. Essa prática foi inspirada nos rituais católicos do exorcismo - e nos estudos científicos com ímãs - onde o exorcista fazia basicamente a mesma coisa - e explicado agora pela teoria dos metais magnéticos. Porém, no caso de Mesmer, sua prática não envolvia o conhecimento teológico, mas a ciência do magnetismo. Mais tarde, com as descobertas sobre o Eletromagnetismo, as ideias de Mesmer foram abandonadas, mas seus princípios foram adotados e adaptados durante o século por outros pensadores para formar a prática médica conhecida no século XIX como Hipnose.

É através da Hipnose - nome sugerido do deus grego do sono, Hipnos - que vemos a relação do exorcismo dos pecados e o tratamento das enfermidades da alma, ou das "psicopatologias". Ou seja, saímos de uma vivência onde os vícios eram ações de deuses para uma realidade onde eles são doenças mentais. Antigamente íamos aos templos e buscávamos sacerdotes para nos ajudar a encontrar uma vida virtuosa. Hoje em dia vamos aos consultórios médicos e buscamos remédios para conseguirmos trabalhar. A comunhão de ontem é o medicamento de hoje: aparentemente apenas através desse ritual é que conseguimos nossa salvação.

Mas da mesma forma que o olhar moderno pode ver o pecado da preguiça como sendo um diagnóstico de depressão ou o pecado da ira como sendo o Transtorno Explosivo Intermitente ou a ação de um Transtorno de Personalidade Borderline, o olhar da antiguidade acharia ridículo não percebermos a ação dos deuses sobre nossas vidas e vícios. Como dizer que não é Pã que está provocando as sensações de palpitação, medo e pânico em quem sofre de ansiedade? Ou então que aquela visão não foi influenciada por Apolo ou até mesmo Hecate, deuses que tradicionalmente inspiravam profetas e bruxas?

O que antes era explicado através dos mitos e depois pelos dogmas religiosos, hoje em dia é explicado pelo DSM ou qualquer outro manual psiquiátrico de doenças mentais. Porém, tratamos os doentes mentais da mesma forma como tratávamos os pecadores: com ostracismo e punição. Basta lembrarmos da história narrada por Nathaniel Hawthorne, A Letra Escarlate e compararmos com as práticas nos hospitais psiquiátricos.

 Basta lembrarmos da história narrada por Nathaniel Hawthorne, A Letra Escarlate e compararmos com as práticas nos hospitais psiquiátricos

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Como disse o psiquiatra suíço Carl Jung, "Os deuses tornaram-se doenças". Mas engana-se quem pensa que o mito foi esquecido: ainda vivemos seus mistérios, apenas dizemos que tudo acontece apenas nas nossas cabeças. Mas será que isso acontece apenas nas nossas cabeças ou será que a nossa mentalidade moderna perdeu a capacidade de enxergar além do que podemos ver? Será que as mensagens dos deuses que antes chegavam através dos sonhos são apenas resquícios neuroquímicos ou será que esquecemos de compreender os sinais que nos chegam através do cosmos? E será que precisamos ainda exorcizar o sofrimento como se fosse o pior dos demônios e afastar todos os seus males como hordas infernais ou será que existem outras formas de compreendermos isso que sempre nos acompanha desde o início da vida e abraçar o sofrimento como mais um grande amigo?

Os Novos Pecados CapitaisWhere stories live. Discover now