Devaneio - População: 108 habitantes

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Nem tudo no nosso mundo é do jeito que parece ser. Uma vez, uma menina de quatro anos de idade disse que havia um dragão vermelho morando em sua garagem. Seus pais, assustados, levaram a menina à garagem para ver do que se tratava, pois temiam que pudesse ser algum perigoso animal de rua ou uma cobra potencialmente venenosa. Chegando lá, os adultos não viram nada. A menina disse que o dragão era invisível e só podia ser visto com o canto dos olhos, quando não se estava procurando por ele. Preocupados, seus pais levaram a garota para ver um psiquiatra. Mesmo assim, de vez em quando, o pai se assustava, quando estava na garagem e via, no canto dos olhos, alguma mancha avermelhada. Mas ele logo descartara a possibilidade de ser um dragão pois manchas vermelhas podem muito bem ser explicadas pela luz que vem da rua ao entardecer ou que passam pelas pálpebras semi-cerradas. Além disso, dragões não existem.

No final do mesmo ano, essa menina teve um pequeno irmão. E quando o garoto aprendeu a andar e falar e podia acompanhar sua irmã até a garagem, ele também começou a dizer que via o dragão vermelho. Agora ambos, por saberem como era o Dragão, podiam vê-lo a qualquer momento e inclusive pareciam conversar com ele. Aparentemente, as idas ao psiquiatra não ajudaram a menina e o pequeno rapaz também estava começando a se comportar de forma estranha. Os pais resolveram que a família deveria mudar de casa e deixaram que o dragão na garagem agora fosse o problema de outra pessoa.

Mas esta história não é sobre dragões. Tampouco é sobre as crianças que viam dragões invisíveis em sua garagem – nem sobre sua família. Esta história é sobre um simples técnico de TI que não estava conseguindo dormir direito.

Marco morava sozinho com seu labrador caramelo chamado – criativamente – Caramelo. Ele chegava do trabalho todos os dias às 18h30, quando Caramelo, carente por atenção, jogava-se sobre seu dono e quase o derrubava. A seguir, Marco pegava a coleira e levava seu companheiro para passear por uns 15 minutos ao redor da quadra, até que fizesse tudo o que queria fazer. Esse passeio se repetia novamente às 22hs e logo após, ambos voltariam para dormir.

Em uma manhã normal, Marco acordaria às 6h45 para levar Caramelo fazer seu xixi matinal, enquanto o café era preparado na cafeteira elétrica. Ao voltar, tomava seu café enquanto lia as notícias em seu tablet, tomava uma ducha quente, lavava seus cabelos escuros e às 7h40 saia para o trabalho, onde chegava pontualmente às 8h00. Mas nas últimas semanas, essa não tem sido a rotina matinal do nosso técnico.

Sempre, por volta das 3hs da manhã, ele acordava irritado, como se tivesse tido um sonho estranho que, quando tentava lembrar, não conseguia. Depois ele demorava para dormir e quanto Caramelo o acordava às 7h da manhã com lambidas no rosto pedindo para sair passear, Marco levantava cansado, desnorteado, com os olhos cansados e com pressa. Todas as manhãs tem sido assim desde então e ele estava chegando sempre com meia hora de atraso – algo inadmissível para seus padrões, por mais que seus chefes não se importassem com isso, pois ele sempre descontava o atraso na hora do almoço.

Em seu pouco tempo livre no trabalho, Marco começou a pesquisar sobre problemas de sono e suas possíveis causas. Viu que poderia ser algum problema de quebra de rotina ou alteração alimentar, mas nada nos últimos dias havia mudado. Racionalmente, ele não conseguia pensar em nada que pudesse estar afetando seu sono.

Para tentar cobrir todas as bases, quando as explicações racionais não o ajudavam mais, ele tentou procurar as explicações irracionais. Procurou sites místicos sobre sonhos e sonhar e encontrou teorias desde projeção astral até abdução alienígena. É claro que nada disso podia ser real. Ele não conseguia conceber a possibilidade de sua alma sair do corpo um pouco antes das três da madrugada e retornar às três, provocando sua insônia. Também não iria funcionar a teoria da abdução alienígena, pois Caramelo seria testemunha da invasão e, ao menos, ele se comportaria estranho por conta disso. Além do mais, não existia nenhuma marca, sinal ou sintoma físico de experimentações estranhas ou sondas invasivas. Sim, ele confirmou durante um banho.

Os Novos Pecados CapitaisWhere stories live. Discover now