O Dragão na Garagem

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A mãe nunca soube da visão dos filhos, nem do real motivo da ansiedade do pai. Ela ficava apenas contente que seus filhos estavam brincando juntos, que a filha mais velha cuidava do irmão de apenas quatro anos. Mas o fato de eles preferirem brincar na garagem preocupava o pai. Por que, de todos os lugares da casa, precisava ser justamente ou supostamente estava aquele dragão invisível? Supostamente, ele precisava sempre se lembrar. Era apenas coisa de criança. E, racionalizando, a garagem tinha de fato mais espaço para brincar, quando o carro não estava guardado.

Até que um dia o menino, agora com nove anos, sem querer, falou do dragão para a mãe:

"A gente vai lá na garagem brincar com o Fofinho," disse o menino, correndo para a garagem encontrar a irmã que já estava lá.

"Fofinho?" pergunta a mãe, enquanto a criança passa correndo por ela. "Fred, venha cá. Quem é esse fofinho?"

"É o dragão que mora na nossa garagem, mãe."

"Dragão na garagem? Bruna, venha cá!" grita a mãe, chamando a filha.

"Oi, mãe," disse a filha, ao chegar correndo na cozinha.

"Que história é essa de dragão na garagem?"

"Não é nada," disse a menina, enquanto olhava sério para o irmão. "É um... amigo imaginário nosso."

E assim as crianças conseguiram ir brincar com o "Fofinho". E naquela noite a mãe quis ter uma conversa séria com o pai:

"Você sabia que nossos filhos brincam com um dragão imaginário na nossa garagem?" disse ela.

"O quê?" perguntou o pai, assustado.

"Hoje de tarde o Fred disse que ia brincar com a Bruna e um tal de Fofinho na garagem. Perguntei pra ela e ela disse que era um dragão imaginário. Será que isso é sério?"

"Ela já tinha me falado desse dragão há uns dez anos atrás. Se ela ainda tem isso, talvez a gente devesse levar ela ao meu psiquiatra. A gente tem que prevenir pra isso não virar uma loucura maior."

No dia seguinte, enquanto Fred e Bruna brincavam na garagem, o dragão se aproxima e sussurra:

"Os seus pais já sabem sobre mim."

"Pois é," disse Bruna. "Esse daqui falou pra mãe."

"Desculpa, foi sem querer," disse Fred, envergonhado.

"E agora seus pais querem me afastar de vocês," disse o dragão, enquanto abaixava sua cabeça e deitava ao redor das crianças. Quem conseguia enxergar a cena podia ver que o dragão quase ocupava a garagem toda, deixando um espaço no meio para as crianças brincarem. Mas é claro que quem de fato olhava só via as crianças, pois o dragão era invisível.

"Como é que você sabe disso?" perguntou a menina.

"Ontem à noite eu ouvi os dois conversando."

"E o que eles disseram?" perguntou o menino.

"Que iriam procurar a mesma pessoa que afastou seu pai de mim. Eu consigo viver sem ele, mas sem vocês, não. Sem vocês eu vou morrer."

No dia seguinte, já com a consulta marcada, os pais levaram seus dois filhos ao psiquiatra. Fred está com medo, mas Bruna disse que iria protegê-lo. Durante a consulta, o pai conta que a filha tem alucinações de um dragão vermelho que mora na garagem e que agora Fred, seu filho mais novo também consegue enxergar.

"Isso não é verdade," interrompeu Fred. "A gente não vê o dragão."

"Como assim?" pergunta o psiquiatra.

"É que o dragão é invisível." Diante dessa resposta do irmão, a jovem apenas abaixa a cabeça e lamenta.

O psiquiatra, ouvindo o relato dos pais e da criança, disse que isso pode ser um caso de esquizofrenia por parte dela e Folie à deux, ou "psicose compartilhada" por parte dele. E que seria importante medicá-los como tratamento preventivo, evitando que o caso se agrave se ficar sem tratamento. Os pais ficam mais relaxados e chegam a dizer para as crianças que tomar remédios é normal, pois eles mesmos tomavam. O pai tomava seus ansiolíticos para fugir do dragão, mas ele dizia que era por conta do trabalho, e a mãe tomava alguns remedinhos para poder dormir melhor. Mas Bruna sabia que esses remédios poderiam afastar Fofinho deles e que isso não seria normal. Então Bruna teve que pensar rápido e disse:

"Será que o Fred precisa mesmo tomar remédio? Ele só tem nove anos de idade. Pode ser só uma fase dele."

E o psiquiatra concordou. Disse que nos casos de psicose compartilhada, quando a pessoa que possui os delírios é medicada a outra deixa de delirar também. Ele então prescreve um remédio para ajudar a diminuir os delírios de Bruna e pede para os pais acompanharem Fred. Caso os delírios persistam, seria para voltar lá para que ele também fosse medicado.

Chegando em casa com os remédios, antes de tomá-los, Bruna consegue um tempinho para conversar à sós com Fred:

"Olha, pirralho, eu to fazendo isso por você e pelo Fofinho. Eu vou tomar o remédio pra que você possa cuidar dele por nós. Assim que eu tomar o remédio, eu não vou mais conseguir ver ou ouvir o Fofinho, mas você vai. E, por favor, nunca fale isso pra ninguém. Deixa que o sacrifício seja só meu, vocês não precisam sofrer se eu fizer isso. Combinado?"

Mesmo com a Bruna medicada, Fred continua brincando sozinho na garagem. E mesmo medicado, o pai, quando passa algum tempo na garagem, ele volta a ver as sombras vermelhas no canto do olho, agora acompanhado da sensação de que estava sendo observado. Ele se lembra que em casos de envenenamento por monóxido de carbono esses sintomas eram comuns e chama o técnico da companhia de gás que de fato detecta que o aquecedor estava vazando monóxido de carbono e que deveria ser urgentemente trocado. Mais um problema para a família.

Os pais então conversaram e resolvem se mudar da casa. Como a casa era alugada, a troca do aquecedor sairia muito caro para algo que não seria deles, então eles avisam o corretor e em um mês já estavam de mudança para um apartamento que não tinha garagem para o filho brincar e um onde o aquecedor não fosse dar problema. Eles garantiram isso.

Ao trancar a casa e colocar a família no carro, o pai sentiu um alívio enorme. Agora aquele maldito dragão agora iria ser o problema de outra pessoa, não mais dele. Mas se o pai se preocupasse em olhar com o canto dos olhos como quem não quer nada e olhasse para cima enquanto dirigia, iria ver, como apenas via Fred contente em seu segredo, o dragão voando sobre eles, seguindo a família para a nova moradia.

Os Novos Pecados CapitaisWhere stories live. Discover now