Capítulo 11

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Amélia Lodge estava sentada em sua poltrona ortopédica, vendo as crianças dos Brisons brincarem na calçada e tomando outra caneca de chá com mel, quando viu algo curioso. Inclinou-se para frente entre as frestas da cortinas e soltou um chiado com a sua respiração pesarosa. As coisas estiveram calmas na vizinhança por muito tempo, desde o dia em que a casa do outro lado da rua foi isolada com fitas amarelas e mais carro de polícia do que Amélia podia contar, estavam parados na sua rua. Mas naquela tarde, Amélia Lodge viu o fim de um ciclo quando um caminhão de mudanças parou na calçada e ela viu a garota Jones que restou, carregando suas parafernálias para dentro do baú. Mais curioso que ver a garota terrível se mudando para bem longe da sua vista, Amélia viu o seu padre cruzando o gramado seco com caixas em apoio a menina.

Sentiu alivio ao saber que aquela garota estaria se mudando para o quinto dos infernos, e que seus olhos cansados de idade avançada não precisariam mais encara-la com horror, observando a rua no escuro lá no alto do seu quarto quando é madrugada. Mas sentiu uma pontada de incomodo ao ver o seu bom padre ajudando a com a mudança. Se é que estava apenas ajudando-a com a mudança.

Aquela casa devia ser demolida, disse ao seu marido há alguns dias. "Deviam passar com os tratores por cima de cada tijolo velho e pedaço de madeira".

A velha senhora Lodge viu o padre Styles tocar o ombro da garota, e leu seus lábios formando as palavras "vai ficar tudo bem", e poderia ter passado despercebido a qualquer um. Menos a ela, que tinha estado lá quando surgiram todos aqueles boatos sujos na época em que os Jones foram retirados da casa em sacos pretos e colocados em gavetas em um camburão. Ela viu o jeito que o padre piscou seus olhos e ergueu seu olhar envergonhado na direção da garota. Ela viu a faísca que surgiu quando encontrou com os olho dela. "Era como um homem olha para uma mulher, benzinho. Com desejo" a sua própria voz parecendo mais jovem sussurrou na sua mente.

ㅡ Talvez eu só precise mesmo de um banho quente. Um banho quente para parar de pensar besteiras.

Estava horrorizada com o pensamento. Puxou a cortina e cobriu toda a janela, de forma que só podia encarar a estampa de floral de volta, e nenhum lampejo de luz vindo lá de fora. "Blasfêmia!" gritou para si mesma, e se levantou da poltrona reclinável com esforço, querendo esquecer a sensação ruim que tinha tido, querendo esquecer sobre tudo que sabia do dia em que os Jones morreram. É claro, morreria com os seus segredos, junto com toda a sua vizinhança velha e decadente. A garota era a face do mal.

ㅡ Deus o proteja. ㅡ Fez o sinal da cruz a caminho do banheiro, ainda perturbada.

Mas Amélia não tinha sido a única a notar aquela cena em particular. Talvez tenha sido a única a prestar atenção um pouco mais afundo, mas muitos dos que passavam tinham percebido o quão bem se pareciam como um casal. Enquanto isso, os boatos começaram a circular devagar e preguiçosos, eram só centelhas que se afastavam da fogueira. Em poucos dias, seriam parte da enxurrada de acontecimentos que mudou a cidade.

ㅡ Ela está me vigiando outra vez. ㅡ Disse Kyra dando de ombros. ㅡ Aquela velha está sempre me vigiando como se eu fosse um experimento. As vezes me pergunto se ela sabe de alguma coisa.

ㅡ Que tipo de coisa? ㅡ O padre franziu o cenho.

ㅡ Eu não sei.

O sol já se punha entre as montanhas quando Harry abriu a porta emperrada do minúsculo apartamento que ficava em cima das lojas comerciais bem no centro da cidade. Era um conglomerado de apartamentos pequenos como latas de sardinhas, que geralmente ficavam as moscas a essa época do ano. Fez algumas ligações, e conseguira um quarto para Kyra Jones com facilidade, o dono do prédio era seu amigo e frequentava a igreja todos os domingos e sábados. Ofereceu-se para pagar o aluguel, mas Kyra recusou, tinha seu orgulho ainda firme como uma parede a sua frente.

Ela descarregou todas as caixas, boa parte empilhada em um canto da pequena sala, agora sem nada que lhe lembrasse a todo momento do seu passado.

ㅡ Por que está sendo tão legal comigo? ㅡ Perguntou verificando as últimas caixas que ele trazia.

Harry sorriu com os cantos dos lábios.

ㅡ Porque você precisa de ajuda. ㅡ Ele deixou as caixas no chão e se aproximou. ㅡ Não é o suficiente?

ㅡ Eu acho que é sim. ㅡ Sorriu de volta e mordeu seu lábio inferior ㅡ Eu nem sei como agradecer. Por tudo.

ㅡ Às vezes parece que você nunca espera algo de bom das pessoas. ㅡ Harry disse casualmente. Estava deixando seu tom sério paternal que adquirira aos anos de servo da igreja.

Kyra se pegou olhando para as paredes, se lembrando que nunca mais voltaria na sua casa, a casa onde crescera, e que provavelmente não estava nem aí por deixar para trás a única lembrança que tinha dos seus pais. Deixar enterrado seus segredo era seguro, mas aquilo tinha sido sufocante por todo o tempo. Era melhor deixar o jovem padre longe dos seus segredos, era obscuros demais até para si mesma.

ㅡ É, talvez esse seja o meu jeito. ㅡ Desconversou. ㅡ Por favor não desista de mim.

Ele se aproximou um pouco mais, com seu olhos verdes e respiração calma, e beijou o topo da testa de Kyra.

ㅡ Eu não vou.

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