Verso de amor e morte

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     Acordou um pouco mais cedo que os demais. Desceu até a cozinha, ainda de camisola, e colocou a chaleira no fogo. Sentia uma enxaqueca leve, isso acontece sempre que tem um pesadelo, mas bastou um comprimido e isso já estava resolvido. Apesar da sua idade ser um pouco avançada, Madame Stacy, sempre foi muito elegante e nunca perdeu a postura em situações difíceis. Pelo menos até agora.
     Gregory entra na cozinha dando um baita susto na filha.
     - Ops! Não quis te assustar - se desculpa ele já sentando na mesa.
     - Não assustou, só estava um pouco...distraída.
    O Sr. Gregory olha intensamente para Stacy.
     - Vai me contar agora o que tá acontecendo? - pergunta ele com um olhar triste, ao saber que a filha também não está bem.
     - Não entendi. Não está acontecendo nada - Stacy nega e tenta disfarçar o que realmente está havendo.
     - Não mente para mim filha, sou seu pai. Desabafa comigo - apela Gregory para o lado sentimental.
     - Já falei, não está acontecendo nada - Stacy apara rapidamente uma lágrima que escorregava do seu rosto enrugado e retira a chaleira do fogão. - Droga! - ela se queimou.
     - Você não está bem, eu sei disso. Cada um tem seu tempo, quando estiver preparada, estarei aqui - Gregory se retira da mesa e sai em direção a porta.
     - Dez dias! - grita ela antes que ele saia.
     - Como? - o pai volta a olhar para Stacy sem entender o que ela havia falado.
     - Preciso de dez dias...não, treze! Depois que passar esse tempo abro o jogo e te falo tudo. Só preciso que tenha um pouco de paciência comigo e com as garotas.
     - Não preciso de paciência, são como minhas filhas - fala ele aproximando-se de Stacy. - Tudo bem, darei esse tempo, mas no término preciso que me conte tudo para poder ajudá-la - ele segura a mão direita da filha.
     - Preciso também que não conte nada a ninguém. Nada a respeito da minha vida, minha localização...enfim, ao meu respeito. Para o bem de todos é bom que não me conheça.
     Stacy conseguiu deixar seu pai ainda mais preocupado, mas como um homem de palavra, Sr. Gregory, respeita o tempo da filha. Eles se abraçam.
     - Agora tenho que fazer o café das meninas, elas estão quase acordando - Stacy enxuga as lágrimas e parte para o armário para pegar as coisas que faltam para o café da manhã.
     - Elas são umas gracinhas. Hoje amanheci com uns estralos nas costas, mas...é por uma boa causa - Gregory brinca com a situação de está dormindo no sofá.
    Stacy solta alguns risos, mas bem passageiros. Sai logo atrás do pai para acordar Ana, Sabrina e Luzia.
    Gentilmente chega no ouvido de cada uma delas e acorda com carinho.
     - Essas meninas têm muita sorte de terem você - fala Gregory escorado na porta do quarto observando Stacy.
     - Já acordou a Frida e a Anastácia? Pergunta a madame.
     - Sim, elas já estão no banheiro - reponde ele.
     Gregory se retira discretamente e Stacy acorda a última dorminhoca, Ana.
     - Vamos, Aninha, tá na hora de levantar - acorda Stacy.
     Ana esfrega as mãos contra os olhos e logo está de pé como as demais.
     Hoje o dia promete. A madame sabe que tem cinco respostas a dar, mas isso não a impede de tornar o melhor dia de todos. Fazem meses que as meninas pediam para conhecer Gregory. Mesmo sendo forçada a fazer isso, Stacy, pagou o prometido.
     Estão muito sorridentes. Gregory orgulhoso e contente com a visita da filha. Luzia, Ana, Frida, Anastácia e Sabrina estão felizes em conhecer o senhor pai da madame. Stacy, bem, a felicidade dela é saber que as meninas estão bem, e seguras.
     O café da manhã está mesmo divino, é o que todos acham. Logo após está satisfeito, Sr. Gregory, se retira para ir trabalhar. Mesmo tendo oitenta e cinco anos ele ainda não se aposentou, trabalhava de coveiro antes mesmo das suas três filhas nascerem, há quase 70 anos, e desde então disse que só a morte o fará parar com seus serviços. Stacy sabe que isso lhe faz feliz, por isso não interfere.
     - Já estou indo, filha. Volto antes do jantar - se despede ele pegando seu chapéu e calçando um par de botas pretas.
     - Tudo bem, papai - responde Stacy ainda sentada comendo.
     - Tem frango congelado aí no freezer e se precisar de verduras pode ir aqui na feira do lado - fala ele já abrindo a porta para sair.
      - Tá certo. Vá com Deus.
      - Tchau pai da Madame Stacy! - grita Ana para Gregory, mas não recebe a resposta.
      Mais tarde, naquela mesma manhã, estava Stacy com a Ana no colo, Luzia e Anastácia assistindo TV e as outras meninas brincavam no quarto, quando a campainha toca. Luzia ameaça levantar-se para ver quem era, mas Stacy faz um sinal para que ela sente novamente. A madame, filha do Sr. Gregory, vai discretamente até a porta, mas ainda não abre.
     - Quem é? - Pergunta ela.
      - É a polícia civil - responde um homem de voz grave e roca.
      Stacy silenciosamente pede para que Luzia e Anastácia vão lá para cima, ela apenas faz movimentos com as mãos e elas logo entendem, sobem as escadas correndo. É possível escutar o barulho dos passos fortes causados por elas.
      Após a sala ficar vazia, madame Stacy, abre a porta. - Pois não?!
      - Bom dia, senhora. Sou o guarda civil Ângelo Schoba e venho anunciar que... - o policial é interrompido.
      - Que o quê? - Surta Stacy sem entender nada.
      - Infelismente ocorreu um acidente na rua principal, e seu pai...ele não sobreviveu.
      - Acidente? Meu pai? Como assim, acidente? - lágrimas acumulam nos olhos de Stacy. Ela está apavorada e ainda sem entender nada. - Não moço, você está enganado! Deve ter confundido.
      - Queria eu, mas infelizmente não estou. Acontece que seu pai estava saindo da floricultura com sua bicicleta quando um motoqueiro com uma extrema velocidade lhe acertou em cheio - explica o guarda Schoba com detalhes de como foi o acidente.
      - Não, não é o meu pai. Ele... Ele foi trabalhar no cemitério San Francisco. Ele não foi a nenhuma floricultura - Stacy ainda está em choque com a notícia, ela prefere não acreditar.
      - Madame Stacy, quem é? - pergunta o guarda Ângelo.
      - Sou eu! - responde ela rapidamente.
      - Sinto muito - o policial entrega um envelope para Stacy. - Ele pediu para que entregasse as flores neste endereço, com esse cartão.
      Madame Stacy recebe o cartão com os olhos cobertos de lágrimas, algumas não tiveram paciência e já caiam antes. Ela fica em choque. Ler silenciosamente cada palavra escrita no cartão e confirma, era o seu pai.
      - Precisa ir ao IML da cidade para reconhecer o corpo, fica próximo ao local do acidente, se quiser podemos te levar até lá.
      Stacy balança com a cabeça ainda lendo o cartão. - Não se preocupe com isso. Vou me ajeitar por aqui e o mais tardar meio dia estarei lá.
      - Mais uma vez, sinto muito por ele. Ele agora estar num lugar melhor. Não pensa na saudade que ele fará, pensa na felicidade que ele já te fez - o guarda se aproxima dela e dá um abraço. - Agora precisamos ir, mas estamos a suas ordens, pode contar sempre com a polícia civil.
      O policial se despede de Stacy, que por sua vez não fala uma palavra. Seu desespero é tão grande que não pode nem gritar. Isso também acabaria assustando as meninas, pensa ela.
      Stacy não sabe o que fazer, pela primeira vez na vida a Madame caiu de uma altura inestimável, e o pior, está sem chão para interromper a queda. Agora ela tem somente as meninas, e não sabe como dizer a elas que seu pai, Gregory, morreu. O homem que elas tanto sonhavam em conhecer acabou de falecer.
      No cartão havia escrito:

Crianças Iludidas - Madame Stacy.Where stories live. Discover now