— Não estava a fim — respondeu sem rodeios, ajeitando a alça fina da bolsa no ombro ossudo. — Quer fazer o favor de dar licença?

O advogado a ignorou.

Seus olhos cansados percorreram o corpo da ruiva, dando-se conta de como ela estava ótima esta noite. O all star de sempre, talvez sua marca registrada, assim como a calça jeans lhe abraçando as curvas tímidas, as pernas finas ainda mais esguias. Recordou-se e sorriu internamente de como pareciam bem desnudas quando Nina lhe atendeu em seu apartamento, o short minúsculo que pouco lhe dava asas a imaginação. Aquele suéter folgado, entretanto, bloqueava-lhe qualquer pensamento pervertido que pudesse ter. Os fios ruivos, por outro lado, roubavam toda atenção; era a cartela de tons do pôr do sol num dia quente de verão, iluminado e acetinado, até mesmo conseguia sentir a brisa fresca no final da tarde quando se moviam. Vinícius de Moraes escreveu sobre a garota na praia de Ipanema, mas Hugo poderia facilmente se inspirar na ruiva da escada de incêndio no prédio em que morava.

Naquele momento, nasceu a personagem que iria desenvolver para as aulas de Escrita Criativa de Marina Dias: uma mulher misteriosa que o surpreendia toda vez que se encontravam, cheia de camadas e com um passado obscuro no final delas. Sua vizinha escrevia com a alma, mas a garota da escada de incêndio irradiava sua essência através do canto. Um canto de verão, assim como seu cabelo nas cores do pôr do sol.

Hugo sorriu. Não um de seus sorrisos cínicos e zombeteiros. Um sorriso sincero, como há muito não sentia, com direito a covinhas e rugas ao redor dos olhos. Nina, que até então tentava não entrar em combustão espontânea tamanha raiva sentida pelo advogado prepotente, assustou-se com a intensidade daquele gesto. Nunca o achou tão parecido com Guga como naquele instante, e a sensação de reconhecimento despertou um sentimento bom dentro de si diante a expectativa de que ele pudesse ter algo agradável guardado em seu ser, tão puro quanto à doçura infantil do sobrinho.

Por breves segundos, quis descobrir o que seria.

Então ele se levantou, interrompendo seus devaneios, sem nunca desviar os olhos dela. Segurou-a pelos ombros e disse:

— Marina Dias, você é realmente espetacular!

Hugo aproximou-se rapidamente e depositou um beijo estalado em sua testa, pegando-a desprevenida. O cigarro pela metade queimava ao seu lado e Nina retorceu o nariz, não mais pela ação inesperada do advogado. Então o moreno se virou sem dizer mais nada, o sorriso carimbado no rosto anguloso e a mente explodindo num turbilhão de ideias prontas para serem exploradas.

A noite seria longa, e numa das formas que ele mais gostava que fosse.

♦♦♦

O sol nem mesmo tinha dado seus primeiros sinais de vida quando a música padrão do despertador soou retumbando nas paredes finas do apartamento. A vontade de Hugo era de jogar o aparelho longe, mas não tinha terminado de pagar as prestações da fatura do cartão de crédito, e nem pretendia repetir o custo tão cedo. Esfregou as mãos no rosto amassado e se espreguiçou antes de finalmente levantar. Guga não mexeu um dedo no processo e Hugo ressentiu ter de acordá-lo tão cedo. Se estivesse em sua própria casa, poderia dormir um pouco mais, mas não era o caso. Precisavam se apressar, ou ambos estariam atrasados para o longo dia que vinha pela frente.

Contornou a cama e acariciou a cabeleira loira do sobrinho, agitando-o de leve.

— Ei, campeão, está na hora de salvar o dia.

O garoto murmurou palavras inaudíveis sem abrir os olhos e Hugo sorriu.

— O mundo precisa de você, rapazinho. Vai deixá-lo mesmo na mão?

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⏰ Última atualização: Aug 24, 2021 ⏰

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