06. Interesses

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— E o vizinho bonitão, já se pegaram?

Eram pouco mais das vinte horas de domingo, mas para aqueles amigos a diversão estava longe de terminar. A visão de Nina tornava-se um pouco mais turva a cada piscada dada; podia ser impressão sua ou realmente havia uma cortina branca tentando cobrir seus olhos verdes. A sala parecia afetada também, pois ora ou outra girava como se algo chacoalhasse o cômodo e o largasse de repente. De uma coisa a ruiva tinha certeza: estava na hora de dar um tempo à tequila.

Jacque estava piadista esta noite, pensou.

— Quem?

— Não seja cínica! — a amiga de cabelo afro gritou. — Aposto que ele foi lhe visitar no seu apartamento, safada.

— Você por acaso instalou uma câmera na minha casa?!

— Ah, meu Deus! Eu s-a-b-i-a!

— Por que só eu estou de fora do assunto? — Marcelo se manifestou, sentado aos pés de Julia, que estava largada em uma poltrona na sala do amigo.

— Não é o único — Julia resmungou e encheu mais uma dose de tequila, colocou sal na língua e engoliu o líquido de vez, que desceu rasgando sua garganta. Logo depois, pegou uma rodela de limão e chupou a fruta enquanto aproveitava as sensações que a bebida provocava em seu corpo já relaxado.

O apartamento dos pais de Marcelo ficava no mesmo bairro da casa de Jacque, alguns quarteirões de onde Nina morava. Julia, por sua vez, habitava em outro bairro e dividia a casa com os dois irmãos e a mãe divorciada. Os quatro resolveram aproveitar o dia de folga e a viagem dos pais de Marcelo para passarem o dia juntos, entre conversas, bebidas e gargalhadas. Nina realmente amava esses encontros, pois era quando se esquecia do mundo e dos problemas, apenas se concentrava no agora, sem sequer pensar se existiria um amanhã. Tudo o que importava era o que iriam fazer a seguir e quem arrancaria mais risadas ao longo do dia. Uma ótima válvula de escape para a ruiva, tão boa como seus amados livros, mas não tão frequente e duradoura quanto eles.

— Nina ganhou um vizinho gostosão e está trocando fluxos corporais com ele — Jacque explicou em meio a risos, o que fez Nina sorrir também e dar um empurrão de brincadeira na amiga já bêbada. As duas dividiam um sofá de três lugares, disposto em frente à TV ligada no programa de Paulo Gustavo, que servia como plano de fundo à farra dos amigos.

— Estamos discutindo para qual dos dois apartamentos vamos nos mudar, altos planos... — Nina beliscou um amendoim torrado em uma vasilha na mesa de centro. — Hugo Torres é meu mais novo vizinho e aluno na oficina de escrita.

— Como assim Hugo Torres é seu vizinho?! — Julia indagou surpresa, sua ajudante na oficina. — O engravatado que só faltou atirar a maleta na sua cara? Uau! Eu realmente sou a última a saber das coisas.

Nina observou a amiga oriental, o olhar puxado e a pele morena clara. Diferente do cabelo liso e escorrido das garotas japonesas, o dela era encorpado e possuía fios grossos, um pouco abaixo dos ombros. Talvez pelo comportamento retraído ou possivelmente seu grau de exigência alto, Julia não chamava muito a atenção dos caras, pois beleza lhe havia de sobra — o que às vezes causava uma inveja branca na ruiva.

— Também quero conhecer o deus grego polêmico, amiga! Devíamos ter marcado esse encontro na sua casa, só acho — Marcelo intrometeu-se na conversa, indignado por estar de fora do assunto. — A beleza dele valeria a pena as horas de tortura naquele sanatório que você chama de lar.

— Ei! Não fale assim da minha casinha, ela é bem aconchegante.

— Ah, Nina, vamos concordar com o Celinho! Aquela decoração de hospital tem que ir embora. Aquilo é uma afronta para sua amiga designer aqui — Jacque enfiou um amendoim na boca, o olhar na televisão. — E o filho do gostosão, já se candidatou para madrasta?

Cantiga de outro VerãoWhere stories live. Discover now