10. Ansiedade

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Nina se encolheu sob a coberta e aspirou o cheiro forte de tabaco misturado à fragrância amadeirada. Então abriu os olhos como dois pratos e sentou na cama de supetão. Sentiu a cabeça dar voltas e mais voltas, assim como o estômago. Ali, com toda certeza do mundo, não era seu quarto. Nem mesmo lhe pareceu familiar. A taquicardia desejou seu caloroso "bom dia" e a ruiva quis vomitar. A noite anterior era uma confusão de flashes que surgiam à sua mente atormentada, lembranças do pesadelo que se tornara a vida. Mas nenhuma delas explicavam o fato de estar dormindo em um quarto completamente desconhecido.

Ela teve uma crise de ansiedade na frente de todos e estava entrando em mais uma.

Retirou o cobertor com força da pele suada e pegajosa, atirando-o no chão, onde avistou seu all star jogado sem delicadeza próximo ao pé da cama. Estava devidamente vestida para seu alívio, mas a sensação iminente de falta de ar não a deixava nem por brincadeira. Nina tratou de se acalmar e, contra seu estado de espírito, pisou no piso frio o mais leve possível para não atrair a atenção de alguém que pudesse estar por perto. Pé ante pé, apanhou o tênis e o usou como escudo. Sob protestos do peito devido à respiração rápida, engoliu em seco sentindo a garganta arranhar no processo.

Precisava do calmante. A crise estava cada vez mais próxima.

Antes de alcançar a maçaneta, notou o terno pendurado de mau jeito no encosto da cadeira de rodinhas, assim como vários livros grossos empilhados ao lado de um notebook sobre a escrivaninha. Nina apertou as vistas e leu os títulos "Direito Penal", "Civil" e "Constitucional" neles, além de um "Vade Mecum¹" atualizado. Na fuga, chutou uma embalagem sem querer e praguejou ao encontrar a caixa amassada de Malboro no chão.

A porta do quarto estava encostada e o silêncio reinava fora dele. Franziu o cenho e fitou a janela parcialmente fechada sob a cortina cinzenta próxima à cama. Soltou a porta e caminhou até o local. A mão trêmula e pálida afastou o tecido áspero e a miragem seguinte foi à primeira coisa familiar naquela manhã estranha. A mesma vista de quando acordava em seu quarto.

Os olhos verdes se arregalaram.

Que diabos fazia no apartamento do advogado prepotente?!

Teria sido melhor acordar em um lugar completamente desconhecido. Tudo menos a casa da pessoa que ela mais queria distância na vida. A única coisa que se lembrava da noite passada foi de não sentir mais nada; levaram-lhe a alma e se esqueceram do corpo. Obviamente, havia Hugo Torres metido na história. Onde ele aparecia, trazia discórdia para si e sua saúde mental. E os tiros. Seu pai... Contara sobre ele! Nem mesmo seus melhores amigos sabiam direito o que acontecera naquela noite trágica. Apenas sua mãe. E agora Hugo Torres. Por que escolheu logo a ele quando resolvera desabafar algo tão íntimo seu?!

Nina sentiu uma vertigem mais forte que as outras e se agarrou a cortina por segurança. As perguntas que sempre lhe invadiam o consciente vieram como um jato d'água de vitimismo, indagando-lhe o motivo por tantos eventos ruins no curto espaço de tempo e por ter sido a felizarda. O universo a odiava e não fazia ideia do porquê. Não aguentava mais.

Queria sumir.

As duas palavras com certeza estariam estampadas em sua lápide se morresse naquele exato momento. Elas resumiam bem seus últimos meses de vida.

Passar pela porta seria como voltar à realidade. A realidade de ter perdido o pai num assalto à mão armada. Fazer coisas que não gostava por sobrevivência, um dia atrás do outro, sem compreender o real significado da palavra viver. Lidar com pessoas que faziam pouco caso da sua dor. Não ser boa o suficiente, sentir-se a pior pessoa do mundo e não saber como se amar. Ou esquecer. Ou superar.

Cantiga de outro VerãoWo Geschichten leben. Entdecke jetzt