09. Discrepância

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— Panfleto? Eu?

Nina queria sumir. Já aguentara o máximo que seu humor permitia na noite e até que segurara bem a barra dada às circunstâncias. Tudo o que não precisava era um embate de palavras com Hugo Torres, pois temia que ele fosse o pingo d'água que faria o copo transbordar. Às vezes, Nina era taxada de tímida. Às vezes, era apenas a garota antissocial. Havia seus momentos extrovertidos e os reclusos, mas não sabia se era a junção de tudo aquilo ou o reflexo de múltiplas personalidades as quais queria ter na vida. Hoje, Nina era a garota depressiva que precisava desesperadamente fugir para casa e se esconder em seu refúgio.

— Ninguém do prédio sabe que escrevo além de você, e até onde sei, é o único de lá que tem ligação direta com a comunidade do Canarinho.

Hugo a observou, um meio sorriso brincava nos lábios cheios.

— Como sabe disso?

— Dona Silvia. — Ela finamente o olhou nos olhos desde que sentara ao lado do rapaz, por pouco não tropeçou nas próprias palavras. — Fique longe dela caso ame sua privacidade.

— Dona Silvia seria...?

— A esposa do síndico.

— Ah, certo.

Um silêncio incômodo se instalou entre os dois. Mais que correr dali, Nina queria bater na cara cínica do advogado que a fitava com a sobrancelha erguida, como se tudo não passasse de uma grande piada. Provavelmente era.

— E então?

— Então o quê? — Hugo repetiu.

Nina bufou impaciente e Julia a observava na mesa do palestrante, um olho na amiga e o outro na conversa que digitava em seu smartphone. A moça oriental estava realmente assustada com a troca de farpas entre os dois, mas ao mesmo tempo, aquilo a provocava risos. Temia pelo bem estar da ruiva, entretanto, não negava a química que existia com o tal advogado topetudo. Só rezava para que no final aquilo terminasse bem, e que Hugo não fosse o estopim da sanidade de Nina.

— O panfleto — explicou, reunindo toda calma que não mais existia. — Por que o colocou na minha porta?

— Quem disse que fui eu?

— Tenho hora para sair, sabia? — Nina mandou para os ares a relação aluno-professor e enxergou o homem em sua frente como uma pessoa odiosa qualquer, a qual ela queria se ver longe. — Não é porque é o último orientando, que seu tempo não será cronometrado.

— Quais as chances de me ajudar fora daqui?

— Zero.

— Então deveríamos estar discutindo sobre meu personagem, não um pedaço de papel que deixaram debaixo da sua porta.

Hugo sabia que levaria um tapa na cara a qualquer momento, mas não podia negar o quão engraçado era ver o rosto da orientadora ficar da cor do cabelo, tamanha fúria, e a veia saltada no pescoço dela. Por fim, sentiu-se um pouco mal, pois Nina parecia mesmo que explodiria em sua frente, temia que ela tivesse um AVC ou algo assim ali mesmo. Não queria ser o responsável pela morte de ninguém. Ele a agarrou pelo pulso no mesmo instante que Nina levantou da cadeira em um rompante; seu sorriso logo caiu ao notar mais do que raiva no rosto expressivo da ruiva.

Havia dor.

— Ei, só estava brincando, relaxe. Você está bem?

Ele também se levantou, assim como uma Julia preocupada.

— O que houve, amiga?

— Eu só quero ir para casa — Nina murmurou, livrando-se do aperto de Hugo e indo até suas coisas na mesa do palestrante. Com a bolsa em mãos, jogou seus pertences lá dentro, trêmula. — Nada de mais.

Cantiga de outro VerãoWhere stories live. Discover now