— Panfleto? Eu?
Nina queria sumir. Já aguentara o máximo que seu humor permitia na noite e até que segurara bem a barra dada às circunstâncias. Tudo o que não precisava era um embate de palavras com Hugo Torres, pois temia que ele fosse o pingo d'água que faria o copo transbordar. Às vezes, Nina era taxada de tímida. Às vezes, era apenas a garota antissocial. Havia seus momentos extrovertidos e os reclusos, mas não sabia se era a junção de tudo aquilo ou o reflexo de múltiplas personalidades as quais queria ter na vida. Hoje, Nina era a garota depressiva que precisava desesperadamente fugir para casa e se esconder em seu refúgio.
— Ninguém do prédio sabe que escrevo além de você, e até onde sei, é o único de lá que tem ligação direta com a comunidade do Canarinho.
Hugo a observou, um meio sorriso brincava nos lábios cheios.
— Como sabe disso?
— Dona Silvia. — Ela finamente o olhou nos olhos desde que sentara ao lado do rapaz, por pouco não tropeçou nas próprias palavras. — Fique longe dela caso ame sua privacidade.
— Dona Silvia seria...?
— A esposa do síndico.
— Ah, certo.
Um silêncio incômodo se instalou entre os dois. Mais que correr dali, Nina queria bater na cara cínica do advogado que a fitava com a sobrancelha erguida, como se tudo não passasse de uma grande piada. Provavelmente era.
— E então?
— Então o quê? — Hugo repetiu.
Nina bufou impaciente e Julia a observava na mesa do palestrante, um olho na amiga e o outro na conversa que digitava em seu smartphone. A moça oriental estava realmente assustada com a troca de farpas entre os dois, mas ao mesmo tempo, aquilo a provocava risos. Temia pelo bem estar da ruiva, entretanto, não negava a química que existia com o tal advogado topetudo. Só rezava para que no final aquilo terminasse bem, e que Hugo não fosse o estopim da sanidade de Nina.
— O panfleto — explicou, reunindo toda calma que não mais existia. — Por que o colocou na minha porta?
— Quem disse que fui eu?
— Tenho hora para sair, sabia? — Nina mandou para os ares a relação aluno-professor e enxergou o homem em sua frente como uma pessoa odiosa qualquer, a qual ela queria se ver longe. — Não é porque é o último orientando, que seu tempo não será cronometrado.
— Quais as chances de me ajudar fora daqui?
— Zero.
— Então deveríamos estar discutindo sobre meu personagem, não um pedaço de papel que deixaram debaixo da sua porta.
Hugo sabia que levaria um tapa na cara a qualquer momento, mas não podia negar o quão engraçado era ver o rosto da orientadora ficar da cor do cabelo, tamanha fúria, e a veia saltada no pescoço dela. Por fim, sentiu-se um pouco mal, pois Nina parecia mesmo que explodiria em sua frente, temia que ela tivesse um AVC ou algo assim ali mesmo. Não queria ser o responsável pela morte de ninguém. Ele a agarrou pelo pulso no mesmo instante que Nina levantou da cadeira em um rompante; seu sorriso logo caiu ao notar mais do que raiva no rosto expressivo da ruiva.
Havia dor.
— Ei, só estava brincando, relaxe. Você está bem?
Ele também se levantou, assim como uma Julia preocupada.
— O que houve, amiga?
— Eu só quero ir para casa — Nina murmurou, livrando-se do aperto de Hugo e indo até suas coisas na mesa do palestrante. Com a bolsa em mãos, jogou seus pertences lá dentro, trêmula. — Nada de mais.
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Cantiga de outro Verão
RomanceNina é uma estudante de Letras depressiva que vive para e por seus amados livros, na luta pela independência emocional. Hugo é quase um recém-formado em Direito que cria o sobrinho como se fosse o próprio filho, devido à rejeição da irmã pela crianç...