12. Musa

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Aviso: este capítulo contém palavras de baixo calão.

O cursor continuava piscando na tela em branco do notebook. Hugo coçou a testa, fitando a página do Word sem saber o que escrever. Um tenebroso bloqueio criativo lhe assolava, algo que as pessoas que trabalhavam com ideias mais temiam enfrentar. Não gostou do personagem que criara para a aula de Escrita Criativa, tampouco teve a oportunidade de discutir a respeito com a orientadora. Algo lhe dizia que estava perdendo tempo nas aulas, uma vez que estragara tudo com a professora. Porém, necessitava de ajuda com a escrita e, querendo ou não, as aulas de Marina eram tudo que seu dinheiro dava para pagar no momento.

Havia algumas opções de personagens de outros livros rascunhados, mas almejava novidade, algo que marcasse sua nova fase. Reviver personagens antigos era como chutar cachorro morto; não queria, e nem tinha, mão para eles mais. Hugo desejava embarcar em uma nova história e aportar em um novo desafio de escrita.

Encarar a página vazia não estava ajudando.

Tomou o último gole da Heineken já quente e mais amarga que o normal, levantando-se para jogar a garrafa fora. O quarto estava iluminado somente com a luz do monitor, pois Guga ressonava baixinho em sua cama, preso no décimo sono àquela hora da madrugada. Tinha de acordar cedo para a faculdade, não antes de deixar o sobrinho na creche no outro lado da cidade. Mas a insônia, sua amada companheira, decidiu o contrário.

Fechou a janela antes de deixar o cômodo, a noite esfriara de repente e não queria que o garoto ficasse doente. Depositou a garrafa ao lado do lixo da cozinha e apanhou o maço de cigarro sobre a bancada. O verso da caixa vermelha lhe saltou os olhos, a imagem de um enfermo estampada para assustar os usuários. Não era viciado, apegava-se ao artifício quando precisava relaxar. Já se livrara de vícios demais, o cigarro era tudo o que lhe restava e o manteria enquanto não encontrasse coisa melhor. Era um péssimo exemplo para Guga, mas ele era pequeno demais para entender as necessidades emocionais do tio.

Queria descer e dar uma volta fora do prédio para espairecer. Enfiou o maço no bolso da calça jeans e deixou o apartamento, a porta da saída aberta para o caso do sobrinho acordar e não encontrá-lo. Foi direto à escada de incêndio e sentou no degrau, estirando as pernas musculosas e acendendo um cigarro. Era o máximo de distância que poderia permanecer fora de casa. Às vezes, compreendia a irmã. Criar uma criança não era tarefa fácil, tampouco achou que o fosse. Elas não eram como adultos que poderiam ser ignorados num dia ruim, ainda que Helena o fizesse com frequência. Elas eram prioridades, suas vidas estavam acima da de quem as cuidavam, sempre.

Hugo nunca sonhou em ser pai, nem ao menos pensava na hipótese. Essa palavra, até pouco tempo, dava-lhe calafrios. Não possuía referências na vida para exercer o papel, tivera um doador de espermas ao invés de uma figura paterna. A verdade era que ninguém sabia ser pai, até que simplesmente o era. Hugo não se considerava um, embora o sobrinho lhe chamasse como tal. Entendia o peso da sua presença na vida do pequeno Guga, o quão significativo para a criança seria representar aquela pessoa. Mas não era seu pai. Um tio lhe soava distante, no entanto. Um bom amigo, talvez. O melhor amigo? Um dia, possivelmente.

Escutou passos abafados nas escadas e fitou com interesse quem subia. Assoprou uma baforada do cigarro, os olhos escuros presos na figura corada revelada sob as luzes vermelhas. Ergueu uma das sobrancelhas grossas, sem se mover um centímetro de onde estava sentado.

— O elevador quebrou novamente?

— Não. — A ruiva abanou a mão em frente ao rosto para dissipar a fumaça sufocante. — Não tinha lugar melhor para fumar esse veneno?

Hugo deu um sorriso torto antes de soltar uma nova lufada de ar, o que irritou ainda mais a vizinha.

— Por que não subiu pelo elevador?

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⏰ Letzte Aktualisierung: Aug 24, 2021 ⏰

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Cantiga de outro VerãoWo Geschichten leben. Entdecke jetzt