3. Operação Snowden

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Tinha sido difícil para Milton Schmidt pegar no sono naquela noite de sexta para sábado. A adrenalina pulsava em seu sangue e a excitação promovida pelas amplas possibilidades de um novo futuro injetava-lhe uma energia equivalente a mil xícaras de café forte. Somado às expectativas, o medo de no dia seguinte não ter mais acesso, porém perturbava-o imensamente. Como todo pobre, temia ter visto seu cavalo passar encilhado, contudo ele não estava preparado para agir naquele dia específico.

Depois que saiu do trabalho, abortou o happy hour tradicional indo direto para casa, um quartinho de uma pousada que pagava próximo ao centro da cidade. Ligou a televisão zapeando os canais de notícias que repercutiam a morte de um dos juízes da Corte Máxima Nacional. Havia no tom de todos os jornalistas certos ares de incredulidade com a notícia, enquanto nas redes sociais milhares de teorias conspiratórias pululavam de post em post. Enquanto lia e assistia tudo isso, o poder de ser o mais próximo da verdade provocava reações interessantes em Milton.

Ansioso pelo dia seguinte e com a intenção de estudar seus planos, o operador de banco de dados baixou o recente filme Snowden. Ainda que política nunca tivesse tido o interesse de Milton, aventuras nerds com certeza despertavam seus sonhos infantis. Ele sabia bem a história do ex-espião americano da NSA e ficou vidrado no filme buscando ideias de como tornar-se ele mesmo um novo Snowden, ainda que seus objetivos fossem diferentes dos do americano. Ser herói era algo que nunca estivera nos desejos de Milton, na verdade, tinha certa predileção pelos vilões dos quadrinhos, geralmente mais safos e espertos que os caras com capas e máscaras. Além disso, nunca fora capaz de confiar em que botava as cuecas por cima das calças.

Quando terminou de assistir ao filme, por algum momento cobrou-se de não ter um cubo mágico, uma verdadeira heresia para um cara com gostos como o dele. Na casa na mãe ainda guardava uns dois ou três, recordou-se. Desferiu ainda uns dois murros na poltrona do sofá ao se lembrar de que não tinha um cartão de memória decente, tampouco um pendrive com boa capacidade de armazenamento.

"Porra, vai ter que servir" disse para ninguém, socando o pouco discreto HD portátil na mochila. Era o que tinha em mãos visto que o salário miserável da companhia não lhe possibilitava muitas aquisições de última ponta no que se dizia respeito a suplementos de tecnologia.

Com tudo isso fervilhando em sua cabeça, quando finalmente dormiu, quarenta e três minutos depois foi despertado pelo seu smartphone tocando a Marcha Imperial.

Levantou-se imediadamente.

***

Não fosse o sentimento natural dos culpados, aquele seria um sábado como qualquer outro. Expediente reduzido uma porrada de operações a realizar. Mas por saber o que estava prestes a fazer, Milton Schmidt ficara desconfiado a tal ponto que tinha sensação que todos olhavam-no de uma forma diferente. Por isso naquela manhã ele se mostrava evasivo, desconfiado, alguém até poderia dizer, suspeito. Levou uns bons vinte minutos para que ele pudesse se tranquilizar e imprimir um ritmo de trabalho que lhe desse margem para fazer o que precisava fazer.

Ele começou efetivamente a preparar-se para a grande jornada depois de repetir uma dezena de vezes "isso aqui não é a porra da NSA". De fato não era, e ainda que a Companhia alô! Tivesse lá seus métodos de segurança, eles nunca imaginariam estar suscetíveis a um caso que estava prestes a somar-se tantos outros escândalos de Brisal. "Esse país é mesmo uma várzea" pensava silenciosamente um Milton cada vez mais abismado com o tamanho do que estava fazendo. Nenhum país que se quisesse levar a sério poderia permitir que se chegasse àquele ponto, mas como ele é que não nascera para dar exemplos, quando enfim reuniu toda a coragem necessária, conectou sem muita discrição o cabo USB abrindo a comunicação entre o computador e o HD portátil. Ainda com frio na barriga verificou e confirmou que ainda era capaz de acessar os dados do número de telefone que chegara aleatoriamente no dia anterior. Seu bilhete premiado continuava lá.

Não perdeu mais tempo. Começou a transferir os registros de voz. Fez isso a manhã inteira, e ainda sobrou um tempinho para enviar áudios de telefones associados. Quando ao final do expediente bateu o ponto, deu as costas à Companhia alô! Com a certeza de que nunca mais voltaria até lá.


Yellow BananasWhere stories live. Discover now