21. Chuva de chumbo

2 0 0
                                    

Se isto aqui fosse um filme seria justamente o momento que a imagem retrocede até aquele dia em que Milton Schmidt confraternizou com os rapazes do morro para que descobríssemos que bem no final daquela festinha, quando todos já estavam bastante bêbados ou chapados, Milton Schmidt fizera uma pequena transação investindo Trezentos Reais numa pechincha por um trezoitão. Como isso aqui não é um filme, então, bem, vocês já sabem, Milton correu até o armário em que tinha escondido o ferro e pegou-o antes de saltar para a densa e sombria noite.

"Vamos, sei um lugar em que podemos esperar umas horas" Disse-lhe a amada Luz, agora tomada pela adrenalina totalmente esquecida da recente desavença ideológica.

"Opa. Espera aí."

Milton disse-lhe e correu para dentro de casa. Havia esquecido-se da mochila e seus apetrechos. Entre eles o HD com os áudios.

"Pronto, vamos dar o fora."

"Caralho, agora que vi. Você está armado."

"O que foi?"

"Ah, esquece."

Os dois de certa forma acreditavam que pelo pouco espaço de tempo entre os foguetes de aviso e a retirada conseguiriam fugir a tempo. Pelo menos por aquela hora.

"Ei, por aí não." Luz foi enfática ao chamar a atenção dele. "Vamos por outro caminho, sair pelo outro lado." o que significava ir ao topo máximo do morro e sair pelo lado oposto da entrada da comunidade. Aquele, como bem sabia a menina nativa era o caminho pouco usado e conhecido, e principalmente a rota de fuga dos traficantes a cada ação policial por ali. "Eles nunca esperam do outro lado" ela disse arfando, já começando a demonstrar cansaço pela corrida noturna. "É só me seguir."

Às costas deles já podia-se ouvir os estrondos das portas de barracos sendo derrubadas. Os gritos de autoridade. E não demorou para que um ou outro tiro fosse ouvido. Por instinto ambos agacharam-se como que se pudessem ser picados por alguma bala-inseto.

"Merda. Merda. Merda. Estão perto."

Se algo que Milton Schmidt nunca aprendera fora viver. Estava acostumado a sua rotina quase que robótica de trabalhador classe média baixa com longas jornadas, translados cansativos e pouca coisa com que se preocupar efetivamente. Por isso ele demonstrava tanta inaptidão naquele momento em que a vida lhe surgia com toda intensidade e o punha no meio de uma trama quase que romanesca. E tudo pioraria quando os dois fugitivos, num trecho da trilha, foram abordados por três rapazes do morro. Um deles gritou. "Ei forasteiro, para aí onde está. Temos que te entregar pros homê. Nada de bagunça na nossa casa."

Puta que o pariu, pensou Milton, paralisando onde estava. Nas mãos trêmulas o revólver não sentia firmeza alguma de seu portador.

Pow.

Pow.

Tey. Tey. Tey. Tey.

Pow.

E antes que Milton Schmidt se desse conta, Luz Aguiar tomou-lhe a arma e disparou contra os três traficantes. Dois tombaram na hora, o terceiro que chegou a reagir não demorou a cair com um tiro na testa. Se houvesse iluminação suficiente naquela hora e naquele lugar Milton Schmidt teria visto a carinha marota de Luz quando disse ao incrédulo fugitivo "Que cara é essa? Aulas de tiro. Bora."

"O que é isso?"

"Três caras mortos, oras." Disse ela quando os dois cruzaram pelos corpos caídos;

"Não isso. Esse barulho..."

"Merda!"

A merda no caso era o helicóptero da Polícia Nacional. O governo não brinca nas ações contra terroristas e poucos segundos depois da constatação de Luz, a aeronave surgiu no alto da comunidade e seus holofotes dançantes logo acharam os dois fugitivos que traçavam linhas sinuosas num terreno sujo e de grande declive.

Ratatatá. Ratatatá.

Quando a ação envolve terrorismo, o governo geralmentetambém atira antes de perguntar. Lá no chão, começava para Milton Schmidt umamiríade confusa e agitada de acontecimentos, e como o trauma de um acidente quebagunça a memória, os instantes daquela hora tornaram-se uma mistura híbrida dedores e percepções. Lembra-se do azulado da luz artificial, do estalar detelhas quebradas, de vielas labirintíticas, da fisgada que sentira no braço,das sombras que o envolveram, e mais nada. Nada com nexo. Nada linear. Quandodespertou naquele ambiente estranho tinha certeza de ter sido pego. E não faziaa menor ideia de como fora parar naquele quarto, tampouco que lugar era aqueleAph

Yellow BananasWhere stories live. Discover now