1. Bilhete Premiado

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Milton Schmidt trabalhava há pouco mais de oito meses na maior companhia telefônica de Brisal, a alô!, e pelas estatísticas ele teria pouco mais de quatro meses de emprego. Era um homem um tanto tosco, já por volta dos trinta anos cujo único interesse eram filmes de super-heróis e sites pornográficos na internet. Aliás, foi seu pendor ao vouyerismo que levou-o a prática de escutar as conversas alheias. Trabalhava no setor de banco de dados da companhia e diariamente tinha acesso a milhares de diálogos, dos mais inocentes a propostas indecorosas. Mas ele não começara aquilo por ser um cara mal ou um péssimo profissional. Foram os desencantos do amor que o levaram ao seu pequeno vício.

Uns três meses depois que entrara para a companhia, Melissa, a garota mais bonita com a qual já ficara, dera-lhe um passa fora sem prestar-lhe grandes justificativas. Com a certeza de que fora chifrado por algum dos playboizinhos da faculdade onde a garota estudava, ele inadvertidamente começou a acessar os registros de chamadas do seu aparelho de telefone celular. Contudo sua breve carreira como Hércule Poirot durou pouco tempo, e para sua surpresa descobrira que Melissa encantara-se perdidamente pelo sumo de xoxota. Conforme foi capaz de listar, ela havia trepado com umas quatro ou cinco meninas antes e depois que ela lhe dera um pontapé na bunda. Convicto de que estava diante de uma concorrência desleal, Milton resolveu esquecer a encantadora Melissa.

Contudo, o hábito de mexericar as ligações alheias permanecera.

Como agia com discrição, sem muitos exageros, a companhia jamais desconfiou, ou então nunca deu importância ao funcionário bisbilhoteiro que em média, uma vez por dia conseguia burlar o sistema de operação e acessar uma e outra ligação feita de algum ponto do país por algum os milhões de clientes da operadora.

Nesse meio tempo ouvira filhos ligando para mães e avós, pedindo uma graninha. Esse, aliás, era um dos motivos mais recorrentes segundo observava. Em alguns casos flagrou adultérios melosos e ligações pragmáticas entre marido e mulher. Enquanto ouvia alguns pobres e diabos e inocentes sussurrarem ao aparelho como se fossem criminosos condenados, ouvia também presidiários ligar para estranhos e lhes vender qualquer merda com a mesma convicção e autoconfiança daqueles caras do canal de televisão que vendiam qualquer merda eletrônica na madrugada. Pensou em parar uma única vez quando ouvira um destes assassinos de aluguel chamar "o chefe" e colocá-lo a ouvir enquanto disparava sete tiros no desafeto. Daquela vez ficara uns dois dias sem bisbilhotar o que não devia, absorto em seus medos e seus dilemas morais. Mas no terceiro dia após o fato, lá estava ele de novo, ouvindo conversas alheias.

Então é isso que nos leva àquela sexta-feira rançosa com um relógio de ponteiros mais empacados que burro com excesso de carga. Naquele dia em especial Milton Schmidt estava apenas pelo final do expediente. Com suas metas tradicionalmente superadas sempre entre quinze e vinte por cento, ele desejava apenas uma cerveja gelada, um banho e depois balada. Para passar o maldito tempo restava-lhe apenas dar sua vasculhada básica pelo quê as pessoas vinham fofoqueando pelo celular. Mal sabia ele que sua vida estava prestes a mudar, e que logo aquele empregado medíocre se tornaria um dos homens mais procurados do país. Porém, isso é o que acompanharemos a seguir, pois a vida de Milton começava a mudar ao clique de um comando.

***

Desde que começara a bisbilhotar a vida dos outros no banco de dados da companhia, Milton, exceto a motivação inicial, preferia ouvir a conversa de estranhos. No fundo ele não tinha certeza como lidaria com as informações privilegiadas sobre o que queriam ou pensavam as pessoas próximas. "Nem pensar ouvir o que mamãe fala de mim" pensava ele toda vez que aleatoriamente escolhia um prefixo para vasculhar conversas.

Como fizera naquela sexta-feira. Um clique, um comando, um número selecionado. Play.

Era uma conversa estranha aquela que ouvia. Olhou para os dados do registro e curiosamente constatou que era um áudio recente, coisa de uma hora e meia atrás. Pela primeira vez ele acessava um áudio do qual reconhecia a voz, também pudera, aquela era uma voz que não saía da televisão, geralmente com más notícias ou péssimas ideias. Era um áudio curto e que certamente, ele jamais poderia ter acesso, ao menos não num país sério e preocupado com segurança nacional. Ele repetiu o áudio novamente. Não havia dúvida, era ele. Contudo, o diálogo não fazia qualquer sentido.

Cuidadoso, Milton olhou para os gabinetes próximos aoseu. Sabia que eram operadores lerdos aqueles do seu turno, então confirmou oque desconfiava, estavam tão compenetrados que não perceberiam que ele burlavaum dos códigos do trabalho. Retirou seu smartphone rapidamente damochila e acessou a internet. O Twitter estava em polvorosa, os portais sófalavam daquilo. Milton rodou o áudio mais umas duas vezes. Não tinhadúvidas do que pensar, e para si mesmo falou: "puta que pariu, isso daqui é umbilhete premiado".    

Yellow BananasWhere stories live. Discover now