O seu quintal

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Não reconhecia nada lá embaixo, entre as milhares de casinhas, tão minúsculas, mas bem visíveis. A vantagem de ser uma águia era ter aqueles olhos fabulosos, enquanto que a desgraça era não poder enxergar o que queria.

Eles sempre brincavam com a bola no quintal, muitas vezes até depois do anoitecer. Seus gêmeos, sua esposa. Portanto, se olhasse com muita atenção, talvez conseguisse vê-los do alto. Tudo bem se algum louco o caçasse... só queria vê-los. Podia ter asas, o céu, toda a liberdade do mundo, sem qualquer complicação, longe dos milhões de papéis e guichês que os humanos julgavam ser necessários. Mas trocaria tudo, só pra ver sua família.

Viu um quintal com dois meninos chutando bola. Um deles estava no gol, enquanto o outro preparava-se para chutar. Voou em círculos para não perder a jogada. Eram meninos como os seus, com joelhos ralados, roupas sujas de tanto brincar, uma espontaneidade que só crianças tinham. Não eram os seus garotos, mas sentiu vontade de participar.

Voou baixo, soou o típico grito das águias para chamar a atenção e sentiu uma alegria imensa com os dois rostos voltados para ele. Quem sabe aceitassem brincar um pouco, para ao menos aliviar a saudade? Era uma língua desconhecida, com certeza em outro país, talvez um continente distante... precisava encontrar substitutos para aquela tristeza que o esmagava dia após dia. Contudo, foi recebido com pedras.

Fugiu, com medo de perder a vida antes de encontrá-los. Sim, seus filhos jamais fariam tal agressão com ele. Provavelmente havia recebido asas para procurá-los. Talvez aquela viagem significasse algo ao final... quem sabe? Por isso, continuou voando, com os olhos concentrados em todos os quintais do mundo.

Quando os bichos sabemWhere stories live. Discover now