Capítulo 1 - Cuidando dela

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Leonardo

Fechei o zíper da minha jaqueta preta e olhei para o céu escuro e acinzentado. Coloquei o fone de ouvido e viajei para o meu próprio mundo. Senti as pequenas gotas de água atingirem meu rosto e uma brisa gelada me deu um arrepio. Coloquei as mãos no bolso quase automaticamente. Sentei-me no degrau da calçada em frente à minha casa.

Era tarde, mas não queria entrar. Estava cansado da rotina. Meu pai, pra variar, não devia estar em casa, só chegaria mais tarde. Bêbado. Mas por que ele se importaria de estar sóbrio, com um filho como eu?

A chuva começou a engrossar, mas não me importava. A chuva me fazia bem. Mesmo assim resolvi ir pra debaixo de uma árvore por perto pra fumar um cigarro. Peguei o último do maço e acendi. Era uma grande ironia que eu fumasse. Meu pai tinha um vício, e eu sabia o quanto aquilo era ruim, mesmo assim me prendia aos malditos cigarros. Pelo menos era só tabaco.

Minha vida sempre fora cheia de problemas. Sempre me envolvi com as pessoas erradas. Exceto por uma garota. A única coisa que me fazia bem era minha melhor amiga. Eu me deixei levar pela canção nos meus ouvidos e lembrei da primeira vez que a vi. Eu estava na rua, na pequena cidade onde morava, Taubaté, sentado na calçada. Tinha 12 anos, e ela também. Eu a vi sair da casa dela e sentar na calçada, assim como eu. A nova vizinha, pensei. Minha mãe havia me dito para fazer amizade com ela. Em vez disso, fiquei lá, parado. Estava nervoso não sei por que, mas ansioso pra fazer uma amizade verdadeira. E mais ansioso ainda por ver que a vizinha era gatinha. Ela se levantou, chegou mais perto e sentou do meu lado.

— Oi! – disse meio sem jeito.

— Oi, baixinha! – eu, na época estava orgulhoso, porque começara a crescer e ficar alto. Ela fez cara feia e respondeu:

— Eu sou pequena, e daí?

— Tá bom, então, pequena. Como é seu nome?

— Rafaela. E o seu?

— Leonardo.

— Quer brincar? Eu tenho um jogo novo em casa, mas não tenho com quem jogar.

— Tá – aceitei de primeira.

Nem preciso dizer que a mãe dela se assustou por Rafaela ter levado um garoto como eu para brincar com ela.

A música alta em meus ouvidos parou de repente, interrompendo minhas lembranças. O celular começou a vibrar e vi o nome dela.

— Fala aí pequena, tudo bem? – Ouvi um soluço de choro do outro lado da linha e fiquei preocupado. — Rafa, o que aconteceu?

— Léo... Eu... eu...

— Foi ele, não foi? Não deu certo a conversa de hoje, não é? – O choro recomeçou do outro lado da linha. — Aquele babaca!

— Eu preciso de você — ela conseguiu dizer.

— Tô indo aí. — Desliguei o telefone e caminhei até a casa dela.

Toquei a campainha, e a mãe dela atendeu.

— Ai, graças a Deus! Eu não sabia o que fazer com ela. – Fiz menção de entrar, mas dona Marina me impediu com a mão. — Não com esse cigarro.

Com a preocupação, esqueci que o cigarro ainda estava na mão. Joguei-o fora imediatamente e entrei. Fui direto ao quarto dela. Detestava vê-la chorando, principalmente por causa de um garoto qualquer. Entrei no quarto, e Rafa estava sentada na cama, abraçando os joelhos.

— Você sabe que ele é... — fui dizendo.

— Um idiota, eu sei — ela me interrompeu chorosa —, mas não posso evitar. Eu realmente gostava dele.

Sentei-me na cama e olhei pra ela. Os olhos, bem pretos, estavam brilhando por causa das lágrimas, o cabelo castanho ondulado estava desfeito. Estava impressionantemente linda, mas já havia me acostumado com isso.

— Não seja ridícula, pequena. Você é linda. Nunca gostei desse cara. Ele nunca podia estar com você e, quando podia, meio que te exibia como um troféu pros amigos. Isso não é legal.

— Você já me disse isso. E parece que só você acha que sou linda... Espera aí que cheiro é ess... Você... ESTAVA FUMANDO?

Levantei os braços em sinal de rendição.

— Ah, Rafa, não vai me dar um sermão agora, vai?

— Mas é claro que vou! Você é meu melhor amigo e essa porcaria só vai te fazer mal.

Olhei pra baixo e me lembrei do que me fez acender o primeiro. Ninguém gosta de perder a mãe.

— Mas, tudo bem... Desta vez passa, mas só porque tive um dia péssimo hoje.

Dou um riso debochado. Ela sorri de volta por uns três segundos e depois volta a fazer cara feia. Ri mais ainda, e ela pergunta séria:

— Que foi?

— Você não consegue, não é?

— O quê?

— Você sabe... Dar sermão em mim e tal... Não resiste ao meu charme de bad boy.

Rafa gargalhou e jogou um travesseiro no meu rosto. Agora, sim, eu estava satisfeito. Consegui. Eu a fiz rir de verdade.

— Não fique se achando, bad boy. Se estivesse melhor, daria um sermão de verdade.

— Ah, para de frescura. Você supera esse cara. Como é o nome dele mesmo?

Ela resmungou bem alto e escondeu o rosto entre os joelhos.

— Danilo — disse com a voz abafada. — Como é que eu vou pra aula amanhã? — Rafaela levantou o rosto de repente e esbravejou — E a propósito... Eu não sou fresca!

— Tá. Acredito em você. Mas acho que sei como você pode ir pra aula. A pé.

— Você me entendeu! — Tentou fazer cara de brava, mas um meio sorriso escapuliu.

Dona Marina apareceu na porta com um chá para Rafa e disse, sem rodeios:

— Pelo visto, você conseguiu fazê-la rir. Bom, hora de ir embora, Leonardo.

— Que sutil, mãe.

— Ele já está acostumado, querida. E além do mais, já é mais de meia-noite. Dei até mais tempo a vocês.

— De nada, dona Marina! — Levantei e fui saindo do quarto, mas acabei parando na porta e perguntei:

— Você vai ficar bem?

— Acho que sim — respondeu, incerta.

Saí da casa dela e estava quase no portão, quando ouvi:

— Você é um idiota. Não sei por que ela gosta de você.

Virei-me para a mãe dela devagar e respondi:

— Pelo menos não sou o idiota que a faz chorar.

Dona Marina fez uma expressão de quem era contrariada e admitiu.

— É verdade. Sei disso. E... Er... obrigada...

Fiz um aceno de despedida e saí na chuva novamente. Preparado pra limpar o vômito do meu pai e colocá-lo pra dormir, enquanto ele me chamava de bostinha. É, eu realmente estava cansado. Gostaria de alguém pra me fazer rir agora.


Meu melhor amigo bad boy - [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora