2-Viagem cansativa

5.7K 584 245
                                    

- Falta muito para chegarmos? - Eu disse. Já estava sem paciência. Mais de três horas dentro de um carro velho indo para uma fazenda que parecia que ficava no fim do mundo.

Meus avós compraram ela ano passado. Venderam o chácara que tinham, mais cinco bois e meu pai ainda deu mais sete mil para ajudar a comprar aquela fazenda. E eu amava aquela chácara. Todo ano meu avô pintava ela de rosa, porque minha avó ama rosa. A casa parecia aquelas casinhas de boneca, toda enfeitada com vasinhos de flores que vinham do jardim. Além disso tinha uma piscina, não era muito grande, mas era o que eu mais gostava, além, é claro, do cheirinho de rosas e chocolate quente por toda casa. Aquela piscina vai me fazer uma falta enorme. Só de pensar, já fico louca para entrar dentro d'água. Esse meu desejo irracional pela água estar me consumindo por dentro. Eu preciso dela, e sinto como se ela também precisasse de mim.

- Falta meia hora. - Disse meu pai. Eu me apareço um pouco com ele. Pele clara, olhos castanhos e um cabelo preto,mas com vários tons de grisalho.

- Onde a vovó comprou essa fazenda? No fim do mundo? - Eu já estava irritada com essa fazenda antes mesmo de conhece-lá.

- Iara, quer calar a boca, por favor? - Meu pai engrossou a voz e eu baixei a cabeça.

- Não fale assim com a menina, Jorge. Até eu já estou desanimada com essa demora. - Falou Katânia, minha bela e querida ( só que não ) madrasta. Ela é meio alta, pele branquinha e com cabelos cheios de mechas loiras. A gente não se gosta muito. Mas era a primeira vez que ela me defendia.

Minha mãe havia morrido faz cinco anos. Ela adorava esse negócio de sereias, por isso botou meu nome assim. Acho que, talvez por isso, eu não acreditasse nisso. E, talvez também, por causa dela, eu tenha desejado ser uma sereia no dia do meu aniversário.

Eu não sei bem o motivo dela ter partido tão cedo, meu pai nunca me contou. Só sei que um dia ela ficou muito doente e foi para o hospital, passou algumas semanas e morreu. Eu amava muito e ainda amo. Mas parece que meu pai não. Acho que ele já tinha um caso com Katânia antes da minha mãe morrer. Não passou nem 2 meses da morte dela, e ele já colocou Katânia para dentro de casa.

- Se você quiser pode descer aqui mesmo. - Meu pai falou para ela.

- Não fale assim comigo. Eu sou sua esposa e mereço respeito.

- Esposa que só me da gastos. É roupa cara, é colar de ouro, bolsa de grife. Ta me achando com cara de banqueiro?

Era verdade o que meu pai dizia. Ele chegou a trocar nosso caro antigo nesse, só para dar dinheiro para ela comprar roupas. Ela trouxe tanta mala, que quase não cabia as minhas coisas e as do meu pai.

- Você é um idiota... - E começaram a brigar.

Passaram um bom tempo brigando. Até que, meu pai, que estava cego de raiva, tentou ultrapassar um caminhão e não viu que, do outro lado da pista, vinha um ônibus.

- PAI, CUIDADO. - Eu gritei.

Ele, de repente, virou todo o volante do carro, no desespero de sair da frente do ônibus. Por pouco não íamos capotando, mas o carro girou várias vezes na pista, e eu acabei batendo com força no vidro do carro.

- Vocês estão bem? - Meu pai perguntou. Eu podia ver seu olhar de preocupação comigo, um olhar que eu não via a muito tempo.

- Estou bem, mas quebrei uma unha. - Katânia estava mais preocupada com as unhas do que comigo. Bela madrasta eu tenho.

- Estou bem... - Minha voz saiu fraca. - Só bati a cabeça no vidro e está doendo muito.

- Cortou? - Katânia perguntou.

- Não. Só está doendo mesmo.

- Então não foi nada. Podemos ir? - Ela falou olhando para meu pai com um olhar cínico. Um homem chega na janela do meu pai e pergunta se estamos bem. Ele diz que sim e que foi só um susto.

Seguimos viagem.

Minha cabeça doía tanto, minha visão ficou embaçada e desmaiei.

***

Acordei atônita. Minha cabeça ainda doía muito.

Estava deita no quarto, acho que já tínhamos chegado a fazenda. Sim. Com certeza chegamos. Eu reconheceria esse cheio de chocolate em qualquer lugar.

Tentei me levantar, mas logo minha avó chegou no quarto.

- Nananinão. Nem pense em se levantar. Você está muito tonta ainda.

Realmente. Eu mal podia escutar ela falar.

Ela me deitou na cama e ficou acariciando meus cabelos.

- Seu cabelo cresceu muito. E sua pele está mais escura do que eu me lembrava. E seus olhos... não é possível. Como os seus olhos estão verdes?

Eu não falei nada. Nem eu mesmo sabia o porquê dessa mudança.

- Tudo bem. Amanhã você me explica. Está muito cansada. Volte a dormi querida. - E começou a cantar uma música de ninar que ela sempre cantava para eu dormir.

Quando o sol se põe no fim da tarde ,vagalumes piscam sem sensar, e assim o sono nos invade, como é bom sonhar, sonhar.
Me faz bem te ter bem ao meu lado, venha cá, me deixe te abraçar, e assim eu tenho o que preciso , como é bom sonhar, sonhar.
Com você posso ver estrelas a brilhar, melodias tem magias, doces sonos no ar.
Quando o sol se põe no fim da tarde ,vagalumes piscam sem sensar, e assim o sono nos invade, e veja como é bom sonhar, sonhar.

Então, ela me deu um beijo na testa e saiu. Não demorei muito e agarrei no sono.

A Última Sereia  (Completo)Where stories live. Discover now