Capítulo 3 - Viva?

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BEATRIZ

Estou com uma sensação estranha. Parece que estou no meio de um sonho com muito fogo e dor na cabeça. Me lembro de ter ouvido a voz chorosa de Larissa, minha amiga, que também trabalha no bar, mas isso é mais esquisito ainda, porque Larissa é o tipo de mulher forte, que quase nunca chora.

Sinto que tem algo na minha boca me ajudando a respirar. Não consigo me mover nem abrir os olhos. Ouço um barulho de porta se abrindo e fechando e em seguida uma voz dizendo:

— Você não pode ficar muito tempo.

— Tudo bem doutor, obrigado. - Responde outra voz masculina. - Como ela está?

— Estável. Ela sofreu um traumatismo craniano e tivemos que colocá-la em coma induzido. Também tem queimaduras de segundo e terceiro grau nos braços, nas costas e nas pernas, mas posso assegurar que, se não fosse pelo senhor e pelo atendimento da sua equipe ela não estaria viva.

Ouço tudo aquilo e as palavras se embaralham na minha cabeça. Queimaduras. Traumatismo. O fogo e a escada me vêm à mente e lembro vagamente de que caí na pensão. Incêndio. Eu causei um incêndio.

Quase morri, mas estou viva, eu acho. Em coma. Acho que posso nunca voltar desse estado terrível. Minha mente dá voltas com as lembranças do passado e sinto uma agonia. Será que vou ficar presa nesse coma para sempre? Com essas lembranças ruins? Sem nada para me distrair, só minha mente traiçoeira? Era preferível morrer a ficar presa assim. Sem poder criar novas lembranças e sem poder esquecer as antigas.

As vozes se silenciaram e quando imagino estar sozinha, ouço a voz novamente, agora bem perto.

— Oi...
Continuo ouvindo, sem poder responder.

— Que porra é essa que você ta fazendo Felipe? Ela não vai te responder. - A mesma voz continua, acho que ele está falando com ele mesmo.

Na verdade, eu gostaria de poder respondê-lo, para mandar ele ir à merda por ter me salvado. Estou em coma. Estou presa em mim mesma. Preferia estar morta. Não que eu quisesse me matar, apesar de já ter pensado nisso algumas vezes, mas estar em coma não é uma sensação boa. Já que eu já estava morrendo, porque não me deixar morrer de uma vez? Porque não acabar com esse pesadelo?

— Que se dane, vou falar com você mesmo assim. Me desculpa... - Fico me perguntando se ele ouviu meu lamento e por isso pede desculpas por ter me deixado em coma - ... por não ter chegado antes e por não conseguir evitar seu acidente.

Não. Ele não me ouviu.

— O médico disse que talvez você possa me escutar então eu... eu... sinto muito Beatriz. Eu nem sei o que eu estou fazendo aqui. É que você... E ela... Bom, deixa para lá. Espero que melhore.

Ela? Quem é ela? Será que tinha mais alguém na pensão? Dona Edite?
Ao pensar em dona Edite me vem a lembrança vaga de ter ouvido a voz dela também, me dizendo algo sobre perdão, as lembranças de vozes me vem em fragmentos, Edite, Larissa. Não sei se foi real.
Ouço o estranho arrastar a cadeira para se levantar e de repente desejo que ele fique. É bom ter companhia. Ele tem uma voz grave e aveludada. Me acalma. Mas que seja. Todo mundo vai embora da minha vida e nunca volta. É só uma questão de tempo.

Que seja. Deixa ir. Felipe. Felipe. Adeus.

Ouço a porta se abrir e fechar novamente e ouço passos dentro do quarto. Sinto alguém mexer no meu braço e logo depois me vem um sono pesado, meus pensamentos perdidos no fogo, nas lembranças terríveis na casa do Jeferson, naquele bar nojento, depois fogo de novo e aquela voz.

Sinto muito Beatriz. Beatriz. Ouvi-lo falar meu nome me dá paz e então eu durmo.

Coração em chamas [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora