Capítulo 1 - Fogo

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BEATRIZ

Chego do trabalho exausta. A pequena pensão de dois andares onde moro está vazia. A maioria das pessoas está no serviço durante o dia, ao contrário de mim, que trabalho em uma boate como bar tender.

Não era o que eu havia planejado fazer quando vim pra São Paulo. Mas foi o que deu para conseguir com o meu histórico de merda. Às vezes, em dias como hoje, eu desejava morrer.

Depois de 2 anos trabalhando só para ter o que comer e pagar a pensão, a esperança ia se esvaindo. Eu queria guardar dinheiro para estudar, para fazer algo que eu realmente gostasse, mas nunca sobrava nada. Fora isso tinham os pesadelos. A lembrança daqueles dias nojentos da minha vida que sempre vinha à tona quando eu estava mal. Coloco água para ferver na cozinha compartilhada, para fazer meu chá de camomila, que sempre me acalma e ajuda a dormir melhor.

Abro a cortina empoeirada que fica acima do fogão. Aqui na pensão é tudo meio bagunçado, pano de prato, talheres em um canto do armário, potes de plástico do outro lado. Dona Edite, dona da pensão deve ter feito compras, porque está tudo em cima do balcão da cozinha, óleo, álcool e outros produtos para limpeza, panos de chão novinhos, e outros utensílios, tudo solto por ali. Ela deve ter esquecido de comprar algo e voltado ao mercadinho buscar.  Ela sempre esquece algo e volta para buscar, suspeito que é para ficar lá batendo papo com o dono da venda, o Sr. Nelson.

Deixo minha água esquentando subo as escadas até mais devagar por causa do cansaço. A noite foi longa. Os quartos da pensão ficam no segundo andar. Preciso subir e deixar as minhas coisas no quartinho em que moro, lá em cima. Quando chego no quarto me dou ao luxo de deitar um pouco. A água deve ferver em cinco minutos. Dá tempo de eu relaxar. Fecho os olhos um pouco para descansar minha vista e a última coisa que penso é no quanto estou exausta.

***

Acordo com um calor terrível, o cheiro de fumaça e vejo tudo laranja. Espere. Isso é fogo. Fogo de verdade. Puta merda, o que foi que eu fiz?

Me abaixo para tentar enxergar alguma coisa e sinto dificuldade de respirar. Não consigo reconhecer nada no quarto. Respiro com dificuldade, o ar está sufocante.

Vou engatinhando até sair pela porta, mas uma das labaredas pega meu braço. Sinto uma dor terrível. O fogo consome o teto e quando chego na escada, vejo que o corrimão está todo destruído.

O fogo deve ter se espalhado como em palha, pois a velha pensão tinha todos os móveis de madeira, muitas almofadas e tecidos de costura da Dona Edite. Tento pensar em um jeito de descer as escadas, vou ter que desviar do fogo e descer rápido, porque daqui a pouco nem a escada vai existir mais. Começo a tossir freneticamente e a me desesperar.

Preciso sair daqui. Ouço uma voz masculina perguntando se tem alguém aqui dentro. Não consigo responder. Decido descer de pé ao invés de ir engatinhando, porque assim posso ir mais rápido e sair desse inferno. Me levanto e começo a descer   os degraus. Ouço uma voz gritando "cuidado!", mas não consigo identificar de onde vem.

Piso em falso em algum degrau e rolo escada abaixo. Sinto uma dor muito forte na cabeça.

A última coisa que me lembro é sentir braços fortes me levando para o lado de fora e olhos claros me encarando.

Coração em chamas [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora