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Há coisas mais difíceis do que isso, pensou Madeline enquanto dobrava uma calça jeans
skinny e as acrescentava à mala aberta já preenchida pela metade na cama de Abigail.
Madeline não tinha direito de ter os sentimentos que estava experimentando. A magnitude
deles a constrangia. Eram de uma desproporção tremenda em relação à situação.
Pois então Abigail queria morar com o pai, porém não estava sendo tão boazinha assim
quanto a isso. Mas tinha quatorze anos. Jovens de quatorze anos não eram conhecidos pela
empatia.
Madeline repetia para si que não se importava. Já superara a questão. Não era nada
demais. Ela era ocupada. Tinha outros afazeres.
Mas depois era atingida de novo pela lembrança, como um soco no estômago. Ela se via
com a respiração acelerada, como se estivesse em trabalho de parto. (Vinte e sete horas no de
Abigail. Nathan e a parteira faziam piadas sobre futebol enquanto Madeline estava morrendo.
Bem, ela acabou não morrendo, mas se lembrava de achar que uma dor como aquela só podia
levar à morte, e as últimas palavras que ouviria seriam sobre as chances do Manly de vencer a
primeira divisão.)
Ela pegou uma das camisetas da filha no cesto de roupas. Era de um tom pastel de pêssego,
e não ficava bem na pele de Abigail, mas ela a adorava. Só poderia ser lavada à mão. Bonnie
poderia fazer isso a partir de então. Ou talvez a nova versão atualizada de Nathan lavasse
roupa. Nathan Versão 2.0. Fica com a mulher. Faz trabalho voluntário em abrigo para
moradores de rua. Lava roupa à mão.
Ele passaria lá mais tarde com o caminhão do irmão para pegar a cama de Abigail.
Na noite passada, a menina perguntara à mãe se poderia levar sua cama para a casa de
Nathan. Era uma linda cama de quatro colunas com dossel que Madeline e Ed tinham dado a
ela de presente pelo aniversário de quatorze anos. Valera cada exorbitante centavo ao ver a
expressão de êxtase de Abigail quando a viu pela primeira vez. Ela literalmente dançou de
alegria. Era como se lembrar de outra pessoa.
— A sua cama fica aqui — disse Ed.
— A cama é dela — lembrou Madeline. — Não me importo se quiser levá-la.
Falou aquilo para magoar Abigail, para dar o troco, mostrar que não se importava com o
fato de que a filha estava saindo de casa, de que ela iria passar os fins de semana ali, mas a
sua vida e a sua casa de verdade seriam em outro lugar. Porém, Abigail não ficou nem um
pouco magoada. Simplesmente ficou feliz por poder levar a cama.
— Oi — cumprimentou Ed da porta do quarto.
— Oi — respondeu Madeline.
— Abigail deveria estar fazendo a própria mala — disse Ed. — Ela já tem idade para isso.
Talvez tivesse, mas Madeline lavava a roupa de todo mundo. Sabia em que estágio as
coisas estavam: lavar, secar, dobrar, guardar, então fazia sentido que ela arrumasse a mala.
Desde que conhecera Abigail, Ed sempre esperara um pouquinho demais da menina. Quantas
vezes Madeline já ouvira aquelas mesmas palavras? “Ela já tem idade para isso.” Ele não
conhecia crianças da idade de Abigail, e parecia a Madeline que as expectativas dele eram
sempre um pouquinho altas demais. Era diferente com Fred e Chloe, porque ele os
acompanhara desde o início. Conhecia-os e entendia-os de um jeito que nunca realmente
acontecera com Abigail. Ele gostava dela, é claro, e era um padrasto bom e atento, um papel
complicado que ele assumira sem se queixar (dois meses depois que começaram a sair, Ed foi
com Abigail a um chá matinal em comemoração ao Dia dos Pais na escola. Abigail o adorava
naquela época), e talvez eles tivessem tido uma ótima relação, se não fosse Nathan, o pai
pródigo, que voltara no pior momento, quando Abigail tinha onze anos. Muito velha para ser
controlada. Muito nova para entender ou comandar os sentimentos. Ela mudou da noite para o
dia. Era como se tratar Ed mesmo apenas com uma gentileza básica fosse uma traição ao pai.
Ed tinha uma veia autoritária antiquada que não reagia bem à falta de respeito, e, certamente,
quando comparado à personalidade boa-praça de Nathan, saía em desvantagem.
— Acha que é culpa minha? — perguntou Ed.
Madeline ergueu os olhos.
— O quê?
— Abigail se mudar para a casa do pai? — Ele parecia angustiado, inseguro. — Será que
fui muito rígido com ela?
— Claro que não — respondeu Madeline embora achasse que em parte era culpa dele, mas
para que dizer isso? — Acho que Bonnie é a verdadeira atração.
— Você já se perguntou se Bonnie fez tratamento de eletrochoque? — perguntou Ed.
— Eu vejo nela uma espécie de torpor — concordou Madeline
Ed entrou e passou a mão em uma das colunas da cama de Abigail.
— Tive um trabalho danado para montar isso — confessou ele. — Acha que Nathan vai dar
conta? — Madeline bufou. — Talvez eu devesse me oferecer para ajudar.
Ele estava falando sério. Não suportava pensar em um serviço de bricolagem malfeito.
— Não se atreva — repreendeu Madeline. — Você já não devia ter saído? Não tem uma
entrevista?
— É, tenho.
Ed se abaixou para lhe dar um beijo.
— Alguém interessante?
— É o clube do livro mais antigo da Península de Pirriwee — disse Ed. — Eles se
encontram uma vez por mês há quarenta anos.
— Eu devia criar um clube do livro — afirmou Madeline.
                             _______

Harper: Vou dizer isso em favor de Madeline: ela convidou todo mundo para o clube do livro
dela, inclusive Renata e a mim. Como já faço parte de um clube do livro, eu recusei, o que
provavelmente foi bom. Renata e eu sempre gostamos de literatura de qualidade, não daqueles
best-sellers sem consistência e pouco originais. Pura bobagem! Cada um com as suas
preferências, é claro.
Samantha: O Clube do Livro Erótico começou como uma brincadeira. Na verdade foi culpa
minha. Eu estava servindo na cantina com Madeline e lhe disse uma coisa sobre uma cena
picante de um livro que ela havia escolhido. Nem era assim tão picante, para ser sincera. Eu
só estava achando graça, mas então Madeline disse: “Ah, será que me esqueci de mencionar
que era um clube do livro erótico?” Então começamos a chamar de Clube do Livro Erótico, e
quanto mais as pessoas como Harper e Carol se chocavam, mais atrevida Madeline ficava.
Bonnie: Dou aula de ioga quinta-feira à noite, do contrário eu teria adorado entrar para o clube
do livro de Madeline.

Big Little LiesWhere stories live. Discover now