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–Não é FANTÁSTICO? — perguntou Madeline para Chloe quando elas se sentaram em
seus assentos realmente espetaculares em frente ao enorme rinque de patinação. — A
gente sente o frio do gelo! Brrr! Ah! Está ouvindo a música? Quero saber onde as princesas...
Chloe estendeu o braço e tapou delicadamente a boca da mãe.
— Shhh.
Madeline sabia que estava falando demais porque se sentia ansiosa e um pouco culpada. O
dia precisava ser fabuloso para justificar a cisão que criara entre ela e Renata. Oito crianças
do jardim de infância, que do contrário iriam para a festa de Amabella, estavam assistindo ao
Disney On Ice por causa de Madeline.
Ela olhou para o assento ao lado de Chloe, onde estava Ziggy, com um enorme bicho de
pelúcia no colo, Ziggy era o motivo de eles estarem lá, ela se lembrou. O pobre Ziggy não iria
para a festa. O coitadinho do Ziggy, órfão de pai. Que talvez fosse um psicopata praticante de
bullying... mas mesmo assim!
— Você está tomando conta do Hipopótamo Harry esse fim de semana, Ziggy? — perguntou
ela muito animada.
O Hipopótamo Harry era o brinquedo da turma. Todo fim de semana, ele ia para a casa de
uma criança diferente, junto de um álbum para ser devolvido com uma historinha sobre o fim
de semana, acompanhada de fotos.
Ziggy fez que sim com a cabeça em silêncio. Uma criança de poucas palavras.
Jane se inclinou para a frente, mascando chiclete discretamente como sempre.
— É muito estressante ter Harry em casa. A gente tem que fazer com que ele se divirta.
Semana passada, ele andou de montanha-russa! Ai!
Jane recuou quando um dos gêmeos, que estava sentado ao seu lado e brigando com o
irmão, deu uma cotovelada em sua nuca.
— Josh! — reprimiu Celeste, com rispidez. — Max! Parem com isso!
Madeline se perguntou se Celeste estava bem. Ela estava pálida e aparentando cansaço,
com olheiras arroxeadas, embora em Celeste as olheiras parecessem um engenhoso efeito de
maquiagem que todo mundo deveria tentar.
As luzes no auditório foram diminuindo, e então tudo ficou escuro. Chloe agarrou o braço
da mãe. A música começou a retumbar, tão alto que Madeline sentia as vibrações. O rinque de
patinação se encheu de diversos personagens coloridos da Disney, deslizando e rodopiando.
Madeline olhou para seus convidados na fila, os perfis iluminados pelos refletores no gelo.
Todas as crianças olhavam para a frente, empertigadas, fascinadas com o espetáculo, e todos
os pais se viravam para olhar o perfil dos filhos, encantados com o encantamento deles.
A não ser Celeste, que baixara a cabeça e pressionava a testa com a mão.
Tenho que largá-lo. Às vezes, quando estava pensando em outras coisas, a ideia lhe
ocorria com o impacto e a força de um soco. Meu marido me bate.
Minha nossa, qual era o problema dela? Toda aquela racionalização louca. Um pequeno
problema, pelo amor de Deus. Claro que ela precisava sair de casa. Imediatamente! Assim
que voltassem do espetáculo ela faria as malas.
Mas os meninos estariam tão cansados e rabugentos.
                                _______

— Foi fantástico — contou Jane à mãe, que ligara para perguntar como tinha sido o Disney On
Ice. — Ziggy adorou. Ele diz que quer aprender a patinar no gelo.
— Seu avô adorava patinar no gelo! — disse a mãe, triunfante.
— Lá vem você — disse Jane, não se dando o trabalho de contar à mãe que todas as
crianças tinham anunciado depois do espetáculo que queriam aprender a patinar no gelo. Não
só aquelas com vidas passadas.
— Bem, e você nunca vai adivinhar quem eu encontrei hoje quando estava fazendo compras
— falou a mãe. — Ruth Sullivan!
— É mesmo? — Jane se questionou se aquele era o verdadeiro motivo da ligação. Ruth era
mãe do seu ex-namorado. — Como vai Zach? — perguntou ela obedientemente enquanto
desembrulhava mais um chiclete.
— Bem — respondeu a mãe. — Ele está, hã, bom, ele está noivo, querida.
— Está? — perguntou Jane.
Ela pôs o chiclete na boca e começou a mastigar, perguntando-se como se sentia em relação
àquilo, mas havia outra coisa a distraindo no momento: a pequena possibilidade de uma
pequena catástrofe. Ela começou a dar voltas pelo apartamento bagunçado, catando almofadas
e roupas largadas.
— Eu não tinha certeza se devia lhe contar — disse a mãe. — Sei que faz muito tempo, mas
ele partiu seu coração.
— Ele não partiu meu coração — retrucou Jane vagamente.
Ele partira o coração dela, sim, mas com tanta delicadeza, com tanto respeito e tristeza, do
jeito que um bom e bem-educado garoto de dezenove anos partia o coração da namorada
quando queria ir para a Europa em uma excursão e dormir com um monte de garotas.
Quando ela pensava em Zach, era como se ele fosse um velho amigo do colégio, uma
pessoa que ela abraçaria com carinho e lágrimas sinceras na reunião de ex-colegas de turma, e
não tornaria a vê-lo até a próxima reunião.
Jane se ajoelhou e olhou embaixo do sofá.
— Ruth perguntou por Ziggy — disse a mãe em um tom significativo.
— Perguntou?
— Mostrei a foto dele do primeiro dia de aula, e fiquei prestando atenção na cara dela, que não disse nada, graças a Deus, mas eu sabia o que ela estava pensando, porque tenho que
confessar, Ziggy naquela foto parece mesmo um tiquinho com...
— Mãe! Ziggy não se parece em nada com Zach — retrucou Jane, se levantando de novo.
Ela odiava quando se surpreendia desconstruindo o lindo rosto de Ziggy, procurando algum
traço característico: os lábios, o nariz, os olhos. Às vezes, tinha a impressão de ter
vislumbrado algo, alguma coisa com o canto do olho, e então morria um pouco por dentro,
antes de rapidamente tornar a juntar as peças e recompor Ziggy.
— Ah, eu sei! — disse a mãe. — Não é nada parecido com Zach!
— E Zach não é o pai de Ziggy.
— Ah, eu sei disso, querida. Nossa. Eu sei disso. Você teria me contado.
— Mais relevante: eu teria contado a Zach.
Zach lhe telefonara depois do nascimento de Ziggy.
“Tem alguma coisa que você precisa me contar, Jane?”, perguntara ele com uma voz tensa,
mas alegre.
“Não”, respondera-lhe Jane, e ouvira seu leve suspiro de alívio.
— Bem, eu sei disso — continuou a mãe. Ela logo mudou de assunto. — Mas me diga.
Você conseguiu algumas fotos boas com o brinquedo da turma? Seu pai está lhe mandando um
e-mail com o endereço de um lugar maravilhoso onde você pode mandar imprimir as fotos
por... Quanto é, Bill? Quanto? Não, as fotos da Jane! Para aquilo que ela tem que fazer para
Ziggy!
— Mamãe — interrompeu Jane. Ela entrou na cozinha e pegou a mochila do filho do chão.
Segurou-a de cabeça para baixo. Nada caiu. — Tudo bem, mãe. Eu sei onde mandar revelar as
fotos.
Sua mãe a ignorou.
— Bill! Escute! Você disse que conhecia um site... — Sua voz foi sumindo.
Jane entrou no quarto de Ziggy, onde ele estava sentado no chão brincando de Lego. Ela
levantou as cobertas da cama e as sacudiu.
— Ele vai lhe mandar os detalhes por e-mail — disse a mãe.
— Maravilha — comentou Jane, distraída. — Tenho que desligar, mãe. Ligo para você
amanhã.
Ela desligou. Seu coração batia forte. Pôs a palma da mão na testa. Não. Não podia ser. Ela
não poderia ter sido tão burra.
Ziggy olhou para ela, curioso.
— Acho que temos um problema — disse Jane.
                             _______

Ninguém falou nada quando Madeline atendeu o telefone.
— Alô? — repetiu ela. — Quem é? — Ouviu alguém chorar e dizer algo incompreensível.
— Jane? — Madeline de repente reconheceu a voz. — O que houve? O que foi?
— Não é nada — disse Jane. Ela fungou. — Ninguém morreu. É meio engraçado, na
verdade. É hilário eu estar chorando por causa disso.
— O que aconteceu?
— É só que... Ah, o que todas aquelas outras mães vão pensar de mim agora? — A voz de
Jane estava trêmula.
— Quem se importa com o que elas pensam?! — exclamou Madeline.
— Eu me importo! — disse ela.
— Jane. Conte. O que é? O que aconteceu?
— Eu perdi ele. — Ela soluçou.
— Perdeu quem? Você perdeu Ziggy?
Madeline começou a entrar em pânico. Era paranoica com a possibilidade de perder os
filhos, e rapidamente confirmou suas respectivas localizações: Chloe na cama, Fred lendo
com Ed, Abigail passando a noite na casa do pai (de novo).
— Nós o esquecemos no assento. Eu me lembro de chegar a pensar no desastre que seria se
o esquecêssemos em algum lugar. Eu pensei nisso, mas então o nariz do Josh sangrou e todo
mundo se distraiu. Deixei um recado no número de achados e perdidos, mas ele não estava
identificado nem nada.
— Jane. Você não está dizendo coisa com coisa.
— O Hipopótamo Harry! A gente perdeu o Hipopótamo Harry!
                             ______

Thea: Esse é o problema dessas crianças da Geração Y. Elas são descuidadas. O Hipopótamo
Harry estava na escola havia mais de dez anos. Aquele brinquedo sintético barato que ela comprou para substituí-lo tinha um cheiro horrível. Feito na China. A cara do hipopótamo nem
sequer era simpática.
Harper: Olha, nem foi por ela ter perdido o Hipopótamo Harry, e sim por ter colocado fotos no álbum do grupinho exclusivo que foi ao Disney On Ice. Então todas as crianças veem aquilo, e as coitadinhas pensam: Por que não me convidaram? Como eu disse a Renata, isso foi simplesmente falta de consideração.
Samantha: Sim, e você sabe o que é mais chocante? Aquelas foram as últimas fotos tiradas do
Hipopótamo Harry. O Hipopótamo Harry, Patrimônio da Humanidade. O Hipopótamo Harry...
Desculpe, sei que isso não tem graça. É, não tem graça nenhuma.
Gabrielle: Ai, meu Deus, que drama quando a coitada da Jane perdeu o bicho de pelúcia da
turma, e todo mundo ficou fingindo que não achava nada demais, sendo que obviamente era
mentira, e eu fiquei pensando: “Será que vocês não têm nada melhor para fazer?” Aliás, estou
parecendo mais magra do que da última vez que nos vimos? Perdi três quilos.

Big Little LiesWhere stories live. Discover now