Eu não fazia idéia de onde Joe mora, agora dá pra entender porque ele é tão vivaz. Ele vive em Rock Bottom, mora em cima de uma loja de discos, com a mãe, pai e tio. Eles são donos da loja, usam roupas descoladas, falam muitos palavrões, e são exatamente como Joe, totalmente pirados. O quarto dele é um verdadeiro parque de diversões. Pôsters, livros, CDs, roupas jogadas, cores vibrantes e vida, muita vida. Foi difícil me adaptar ao verde limão das paredes. E aos abraços apertados que ele vive me dando à toa. Estamos andando juntos há alguns dias e não poderia ser mais... Normal. É, é normal ter um amigo. É normal ter com quem conversar. É normal não estar sozinha no almoço.

O que ainda não é normal é o Joe xeretando nas minhas coisas.

—Dá pra parar?—tiro o rosto do livro de poesias. Joe está dentro do meu closet —O que está fazendo aí?

—Olhando. O que são essas caixas de madeira?

—Caixas de madeira. —ironizo —São as coisas da minha mãe, pare de mexer, por favor.

Ele saí de dentro do closet com o caderno de capa marrom da minha mãe. Bufo. Ele não me escuta, impressionante.

—O que é?

—Minha mãe escrevia aí. —respondo deixando o livro de lado —Me devolve.

—Calma garota, só quero ver. —ele folheia o caderno —São poucas páginas pra ser um diário.

—Não era um diário Joe. —ele senta ao meu lado ainda folheando o caderno—Ela escrevia poemas aí. Um por ano.

—Sério?

—É, não tinham dias ou meses certos, a certeza é que uma vez por ano ela escreveria nesse caderno. —explico-lhe—Ao todo são 16, ela começou a escrever aos 15 e morreu aos 31.

—Sinto muito. —murmura parando em uma das páginas —Ela não dava títulos a eles?

—Nem sempre. —olhar pra letra dela é... Tenso. É uma letra tremendamente parecida com a minha —É melhor guardar.

—Deixe-me ler um.

—Joe não, é melhor não. —advirto-o e quando penso que me desobedecerá ele me estende o caderno—Obrigado.

Ele assente.

—Deve doer, ver o que ela deixou aqui não é? —apenas assinto indo guardar o caderno no lugar dele—Seu pai sente a falta dela?

—Ele sente mas não é só a mamãe que se foi, tem a mãe do Sam, ela foi o primeiro amor dele. —deito na cama de barriga pra baixo e Joe me acompanha, estamos lado a lado —Meu pai deixou a mãe de Sam quando ele tinha 5 anos, e quando ele formou a nova família Sam já tinha 7. A minha mãe quis o Sam assim que a mãe dele falecera e eles nos aceitou tão rapidamente que só podíamos agradeçer por tê-lo conosco. Pouco tempo depois foi a vez da minha mãe.

—De que ela morreu?

—Aneurisma cerebral —dou de ombros —Foi tão rápido quanto pegar un resfriado. Entendi a dor de Sam ao ouvir dos policiais que sua mãe morreu na porcaria de um acidente. —mordo o interior das bochechas —Nenhuma delas queria ir mas foram, é algo tremendamente injusto.

Um silêncio se forma entre nós até que Joe desliza os dedos pela minha mão fechada, ele abre minha mão e segura firme.

—Acredito que, por mais cruel que seja, tudo aconteçe por uma razão. Então vamos pensar que, duas pessoas maravilhosas morreram no passado para que duas pessoas maravilhosas vivessem este presente.

Fico olhando pra Joe, anestesiada. Ele tem os olhos de alguém com quem eu poderia me perder. E diz exatamente o que essa pessoa diria. Aperto a mão dele.

Uma Garota IncompletaWhere stories live. Discover now