Uma Garota Incompleta

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Se você parar pra pensar, ser uma pessoa solitária não é tão terrível quanto pareçe. Pela manhã, quando acordo, imediatamente ponho os fones de ouvido (minha playlist vem de um aplicativo que tem sons específicos para atividades específicas, no começo eu ouvia só para estudar mas agora faz parte da minha rotina) e sigo assim até a escola. Nos corredores, sozinha e sem distrações é bem melhor de se locomover. Nas aulas, nunca perco nada da matéria... A não ser que seja o sr. McAvon, não consigo explicar a razão da Literatura não ser interessante para mim... Talvez seja como o própio sr. McAvon me disse uma vez, depois de ler um poema meu que servia como trabalho (tirei 4.0), ele me disse; “Existem pessoas que nasceram para determinadas coisas. Você, srta. Well, não nasceu para poesia”, relembrando agora, soou bem cruel.

Voltando aos benefícios da solidão, no refeitório não preciso dividir a comida com ninguém assim como muita gente faz quando anda em grupinhos, entre eles pareçe normal só que pra mim comer a comida do prato de outra pessoa é nojento. E em trabalhos de duplas, tenho a opção de fazer sozinha, os professores me conheçem e sabe como funciono; se me forçarem a estar em uma dupla, faço tudo sem consultar meu colega e fim de papo. Quero um boletim que impressione as universidades e não vai ser um preguiçoso de ensino médio que tirará isso de mim.

—Está longe hoje. —Sam comenta no banco do passageiro. Hoje eu vim dirigindo pra escola, é sexta então ele não quer fazer nenhum esforço (não que dirigir seja um esforço, convenhamos).

—Trabalhos pra entregar. —desconverso usando um tom monótono. Não gosto de conversar e dirigir, me distraí.

—Seu cabelo está diferente. —ele diz, e sei que é estúpido mas derepente quero voltar pra casa, apenas soltei um pouco do cabelo e ele perçebeu, todo mundo vai ficar olhando pra mim? —Genn, está ficando vermelha.

—Desculpe.

—Como assim “desculpe ”? Não fez nada de errado. Pare de se desculpar o tempo todo, me preocupa.

Franzo o cenho. Não sei se me desculpo o tempo todo. É, talvez. Não posso afirmar que sim, muito menos que não. Só sou uma pessoa meio lenta em conversas sem sentido. Acho que também não nasci pra ser adolescente.

—Te preocupa? —pergunto aproveitando o sinal vermelho —Como assim?

Sam dá de ombros. Está com o casaco do time hoje. Vermelho e branco. Lavou os cabelos com meu xampu, ele pensa que não sinto o cheiro de baunilha daqui. Está todo bonitinho, como em todo dia de jogo. Eu só estou com mais um jeans claro e blusa de mangas três quartos.

Sam hesita e isso chama minha atenção. Eu o preocupo de verdade. O sinal físico de preocupação usado por ele é coçar a nuca freneticamente, como está fazendo agora.

—É que você é tão solitária...

—Merda, esse papo de novo não. —o sinal abre e eu aperto o volante com força —Existem pessoas quietas Sam, ser solitária não é sinônimo de depressão. Fala sério, é antiquado pensar assim.

—Ok, ok Genna, desculpe. Cuidado na estrada.

—Eu não sou burra. —resmungo suavizando o pé no acelerador. Acho que dei uma arrancada sem perçeber. Respiro fundo —E não sou depressiva, juro. Eu só gosto de ficar sozinha, nada além disso. Não pense que me sinto mais deprimida do que qualquer outra pessoa da minha idade, eu não fico.

Ele morde o lábio assentindo. Está aliviado.

—É bom saber Genn, muito bom.

*

Se é possível conseguir ser solitária num refeitório de ensino médio? É, é possível quando seu irmão é o capitão do time de basquete que manda muito bem em quadra. Acho que sem o Sam na minha vida, o ensino médio provavelmente seria um inferno. Eu sofreria bullying de todos os lados, na certa. Vejo aconteçer, quase toda hora. Roupa errada, sapato errado, cabelo errado, corpo errado, voz errada, modo de andar errado, ações erradas, orientação sexual errada, cor errada... Encontra-se de tudo aqui. Ano passado, um aluno do intercâmbio da América do Sul processou dois amigos do Sam por agressão e preconceito racial, não foram presos mas pagaram uma bela multa e até hoje prestam serviços sociais.